Por Rafaela Ribeiro/AES
O profissional de artes cênicas foi um dos que mais teve de se reinventar durante a pandemia de covid-19 em 2020, os espetáculos presencias tiveram de ser adiados ou cancelados, e as telas substituíram os palcos. As apresentações em lives para as redes sociais não são uma novidade, porém nesse período, tornou-se a principal ferramenta de trabalho dos artistas cênicos.
“Todo mundo acabou tendo que migrar, fazer uma interlocução, conseguir se instrumentalizar um pouco mais, compreender um pouco mais da tecnologia”, reconhece Júnior Brassalotti, ator e presidenta do Conselho de Cultura de Santos (CONCULT). Para ele, levar o teatro para as plataformas digitais não é o ideal, mas foi uma medida necessária para continuar produzindo nesse momento: “Estávamos com um processo de montagem antes da pandemia, e assim que veio o advento da quarentena e do isolamento físico, a gente migrou diretamente paras redes, plataformas que permitem esses encontros virtuais, é muito ruim, porque teatro é a arte da presença, aquela manifestação que ocorre na sua frente, aquele momento que fica registrado na memória, a arte que se escreve, que se faz na areia, ela se apaga assim que acaba e vive na memória das pessoas”.
Aplicativos como Zoom e Google Meet foram uma das saídas encontradas pelos artistas para poder continuar se encontrando para ensaiar de forma segura. “Durante o período de distanciamento social, a gente não apresentou peça, então a gente fez tudo virtualmente, nós ensaiamos de forma virtual pelo Zoom, lemos o texto, e aí, por exemplo, o câmera gravou na minha casa, mas com muito cuidado, ele de longe, o diretor foi na casa de cada pessoa pra gravar, mas teve uma cena coletiva que gravamos na rua, mas todo mundo distante”, revela Lourimar Vieira, fundador da Companhia Teatro do Kaos. Ele contou que, nas raras ocasiões em que os encontros presenciais foram necessários, houve respeito ao distanciamento físico, e com o uso de máscaras.
Essa adaptação não foi um processo fácil para muitos artistas, que não possuíam familiaridade com a tecnologia. “Teve uma mudança drástica nesse sentido, porque era uma plataforma com a qual não era todo mundo que estava acostumado a lidar, essa questão da tecnologia, com esses ensaios que a gente fica fechado em câmera, nessas gaiolinhas virtuais”, critica Júnior “Porque todo mundo teve que se adaptar, independentemente do segmento, no teatro foi um pouco cruel nesse sentido, pros artistas, em geral, a gente não pode fazer o nosso trabalho de maneira plena, é diferente você fazer uma coisa para uma câmera, uma coisa fria nesse sentido.”
Outro desafio enfrentado por eles foi a insegurança financeira causada por esse período, em que eles tiveram que interromper suas produções. “É importante citar a Lei Aldir Blanc (de federal de incentivo à cultura), que foi uma lei implementada pela deputada Benedita da Silva, a Jandira Fhegali fez a redação da lei, ela foi aprovada ano passado e distribuiu 3 bilhões para estados e munícipios fazerem repasse”, explica Júnior. “Como uma verba de emergência para amparar o setor cultural que foi o setor mais impactado pela pandemia de covid-19, foi o primeiro setor a parar, a ter suas atividades interrompidas e ainda será o último a voltar.”
Apesar disso, de acordo com Júnior, não foram todos os municípios da região que tomaram medidas de amparo aos artistas durante o período da pandemia, fazendo com que eles dependessem apenas dos recursos da Lei Aldir Blanc, que foi aplicada pelo estado, alguns poucos municípios como Santos, São Vicente, Guarujá e Cubatão lançaram editais.
Porém, em Guarujá nem todos os artistas conseguiram ter acesso aos recursos proporcionados pelo edital. “Guarujá lançou um edital também, mas de tão complexo que foi nem todo mundo conseguiu acessar, o recurso acabou ficando na cidade, de tão difícil que era para os artistas preencherem aquele material, terem as documentações disponíveis pra poderem acessar esse recurso, isso foi uma pena.”
De acordo com Lourimar Vieira, o Kaos recebeu um edital da prefeitura de Cubatão, e oito do governo do Estado, a companhia também conseguiu acionar cinco editais do Proac (Programa de Ação Cultural) do governo do Estado, e um do governo municipal, o que os ajudou a manter o espaço durante esse período. Assim, muitos artistas acabaram se afastando das companhias e começaram a trabalhar de maneira independente, através de recursos angariados por editais, e utilizando a internet como principal ferramenta de divulgação.
No balé
“Num primeiro momento eu acabei recorrendo aos editais, por ser bailarino e trabalhar de forma presencial com apresentações, nos ensaios acabava que inevitavelmente tinham aglomerações, então eu tive que me afastar disso”, conta o bailarino e performer Michael Kelvyn. “Eu comecei a pesquisar sobre editais, só que aí já tinha uma padronização também, eu tive que começar a me adequar, então a princípio foi mais uma experiência eu tive a oportunidade de estar participando de dois editais e as medidas durante o processo dos editais eram as que foram estabelecidas pela OMS, distanciamento social, uso de máscara, higienização com álcool em gel etc.”
De acordo com ele, uma de suas maiores dificuldades foi essa barreira criada pelas redes sociais que impede os artistas de se conectarem de forma mais direta com o público. “Presencialmente tem uma série de fatores que facilitam nessa interação, com o público acredito que só o fato de estar no espaço teatro já contribui bastante para a sensibilização do que está sendo assistido, as vezes um olhar entre o artista que está em cena e o público já muda tudo”, explica. “Tem essa troca entre público e artista, muito maior do que através de um vídeo que você primeiro mostra, e depois, se você conseguir alcançar as pessoas, você tem esse feedback.”
Outro desafio enfrentado pelos artistas foi ter que lidar com o algoritmo das redes sociais, que trabalha mais com números, e acaba privilegiando um tipo de conteúdo padronizado, o que se torna mais uma limitação para a divulgação dos trabalhos. “Esse jogo entre algoritmo, entre o consumo da massa, e como você consegue se introduzir a isso sem perder a sua autenticidade, porque é como eu falei essa padronização acaba que por segregar os trabalhos, pelo menos ao meu ver tem muito do mesmo na internet, e é o que eles querem ter muito do mesmo, mas não é o que eu como artista quero.”
Conversamos com a bailarina Vanessa Thalita, que faz parte da Cia de Dança de Cubatão, e Companhia de Dança Crivos, que produziu um espetáculo de dança virtual durante a pandemia, utilizando os recursos da lei Aldir Blanc. “Aqui em Cubatão foi super tranquilo, assim que o projeto foi aprovado no final do ano mesmo a gente já recebeu o valor total do projeto”, reconhece, “mas os outros projetos que eu participei da cidade de São Vicente a gente teve que praticamente terminar as atividades em fevereiro, março se eu não me engano pra eles liberarem o pagamento pra gente conseguir receber”.
Vanessa, também falou um pouco sobre como foi montar um espetáculo durante este período: “Foi uma experiência totalmente nova, porque eu nunca tinha produzido nenhum espetáculo, e aí eu tive que fazer muitos estudos, a primeira reunião que a gente teve pra conversar com os bailarinos foi online, eu tive que fazer muitas pesquisas sobre o tema que eu estava produzindo, e sobre os locais que eu ia usar, sobre a forma que eu ia gravar, eu contratei pessoas pra fazer a filmagem e foi algo muito diferente do que eu já fiz, porque eu estava muito mais acostumada com espetáculos presenciais, produzir um espetáculo de vídeo dança não foi fácil, mas foi fluído, então eu não tive muita dificuldade, porque eu me baseei muito em pesquisas”.
Segundo ela, a produção do espetáculo de dança começou no primeiro mês de janeiro, o espetáculo contou com um elenco composto por seis bailarinos, no começo da produção os ensaios presenciais contavam apenas com três dos bailarinos, ela alternava entre os bailarinos do grupo, fazendo os ensaios cada semana com dois bailarinos diferentes, que eram divididos conforme as partes que cada um faria na coreografia, somente em fevereiro foi possível reunir todos os dançarinos para os ensaios das coreografias em que eles dançariam juntos.
Para ela, a recepção do público ao espetáculo foi uma surpresa: “A gente teve um retorno muito bom, foi até uma surpresa com o tanto de gente que acompanha até hoje espetáculos online, a parte boa de tudo isso pra nós artistas é que a gente encontrou uma nova forma de continuar produzindo arte”.
Retomada
Os artistas estão, aos poucos, retomando as atividades, e conseguindo produzir espetáculos de maneira presencial. Lourimar conta que o curso de teatro ministrado pelos atores do Kaos funcionou de forma online durante a pandemia no ano passado, mas as aulas presenciais retornaram no mês de agosto desse ano, o curso atende a cem alunos e é patrocinado pela Petrocoque, através da antiga lei Rouanet.
O Kaos retornou com os espetáculos presencias durante o mês de junho, com a peça “Caminhos da Independência”, que é um espetáculo montado anualmente pelo Kaos, que conta a história da independência do Brasil, e também narra a passagem de Dom. Pedro I pela cidade de Cubatão, esse ano a peça foi apresentada de forma hibrida, presencial e em forma de live para as redes sociais, o evento foi feito de forma gratuita, a entrada custou apenas um quilo de alimento não-perecível para o Fundo Social de Solidariedade, e conseguiu angariar três toneladas de alimento.
Esse ano, foram apresentadas duas edições do espetáculo, pois ele não pôde ser apresentado em 2020. “Lotou todos os dias, foi muito bacana, o público voltou com uma vontade para o teatro, arrecadamos bastante alimentos” Afirma Lorimar “a gente estreia o pequeno príncipe, pro público infantil, e dia 18 de novembro a gente estreia um espetáculo da companhia, e na primeira semana de dezembro amostra estudantil dos alunos, tudo de forma presencial, voltamos graças a Deus”, comemora Lourimar.