por Bruno Monin
Um filme apaixonante. Ver a vontade e a garra desses personagens reforçou a vontade de ser comunicador. Mais uma vez tenho a certeza que basta uma ideia boa para que algo possa ser feito e mudar a realidade de um bairro, uma cidade, um país e o mundo. E não precisamos necessariamente começar com o equipamento mais caro ou das melhores pessoas no ramo, basta colocar a ideia pra fora da cabeça.
Em um Brasil de 1981, numa favela de Belo Horizonte, tenho a impressão de que infelizmente não tenha mudado muita coisa até os dias atuais. O racismo ainda persiste em nossa sociedade, a exclusão do povo das comunidades pelo povo do asfalto ainda acontece. Ainda não entendemos que lá em cima estão pessoas dignas, honestas e trabalhadoras como as daqui de baixo, e claro, aqui em baixo também tem seus frutos podres, e diga-se de passagem, o asfalto tem muito bandido que anda de terno e gravata se passando de bom moço, mas que rouba um país inteiro. O poder da caneta é mais forte que uma arma de fogo muitas vezes, mas muitas vezes mesmo.
Uma rádio que nasceu da necessidade de falar a mesma língua do morro, mas que também chegasse ao asfalto, era o que o povo ali precisava. Antes mesmo de incomodar as autoridades, a rádio já cumpria o seu papel social informando, prestando serviços, aproximando as pessoas, conscientizando. A briga com o Estado não é pelo fato de ser uma rádio clandestina, mas sim das palavras que proferiam verdades sobre as ações da polícia no morro e nas ruas, que no Brasil de 1981 tinha como alvo quem morava no alto dos morros. Não consigo infelizmente dizer que em pleno 2019 algo tenha mudado em relação a esse embate. Basta ligar a TV, abrir um jornal, acessar um site para ver as mesmas notícias de antes, da violência dos dois lados da história.
A paixão pela comunicação apresentada no filme é lindíssima, e mesmo que sem formação alguma na área por parte dos operadores, cumprem sua função humana de se comunicar, não pelo ego, não pelo retorno financeiro, mas pelo prazer de ajudar sua comunidade. O poder e o respeito conquistado com muito trabalho e insistência, são o pagamento desse trabalho, fora o prêmio da ONU (esse um pouco egocêntrico, confesso) que faz vista ao mundo e prolifera exemplo para outros países, é para se ter orgulho, porém com os pés ainda no chão.
O filme começou a ser produzido em 2000 e seu lançamento ocorreu em 2002, mas carrega uma estética totalmente do cinema nacional dos anos 90. Não sou um conhecedor do nosso cinema nacional das décadas passadas, mas nota-se a estética noventista claramente. Atuações não tão primorosas que tornam o filme mais leve, e acredito que a intenção era ser leve mesmo. O que temos de filmes nacionais que exploram a temática da favela somente do ponto de vista da violência é muito grande. Tropa de Elite é um dos exemplos mais famosos. Ter a rádio como fio condutor é a diferença, mas sem deixar de lado o que acontece nas comunidades, afinal de contas, não tem como contar uma história que se passa num morro sem falar do morro. Sua fotografia por vezes é bem bacana e destaco um take bem no início do filme, onde o texto diz algo como “para combater a violência precisamos de investimento em educação e trabalho”, e mostra-se carros da polícia em primeiro plano e ao fundo um prédio do Senac. Sacada de mestre. Musicalidade é outro ponto que sempre aparece em filmes que tem a favela como cenário. O samba presente como sempre, o hip-hop pela época e também o rap. Bem, estamos falando de uma rádio, haveria de ter música. E me surpreendeu uma cena digna de musical americano na cena em que o personagem Brown sobe numa famosa ponte de BH.
Trazendo para os dias atuais, temos mais facilidade de colocar nossas ideias no ar por conta dos vários meios de nos expressar. Hoje o povo tem mais voz com as rádios comunitárias que hoje são legalizadas, hoje o povo do morro tem voz na internet que chega a quase todos, hoje nós fazemos podcasts e rádios onlines. Está mais fácil mas precisamos sempre nos lembrar dos objetivos de um trabalho social seja ele em qualquer área de atuação. Por fim, dou a certeza de que é um filme obrigatório por todos que passam por um curso de comunicação.