E se o vírus da empatia contaminasse o Brasil?

por Nicole Zadorestki (texto) / AES

Esse período de isolamento social tem sido angustiante. Não por estar afastada das multidões, pois nunca fui do tipo que curte uma aglomeração. Mas pelas notícias e como o Brasil busca enfrentar este vírus – de forma pouco saudável, confesso.

Sou de família humilde, como muitas pessoas dizem. Todavia, não gosto desta descrição: humilde. Humildes, penso… Parece até, que somos singelos ao falar do pouco dinheiro na carteira. Desde pequena – lembro muito disso – era difícil ter grana para o lazer. Por consequência, o acesso ao consumo desta área esteve em extinção por muitos anos – pelo menos, para mim. As moedas que apareciam já tinham passagem comprada para os insumos
mensais. As contas de água e luz destroem o planejamento do mês.

De vez em quando, com a inflação baixa, era recompensador arriscar a comprar guloseimas no supermercado. Bendito sejam os dias que tínhamos bolachas recheadas, iogurtes e batata frita na geladeira. Pedir uma pizza – algo simples e comum – só veio a acontecer depois dos meus 18 anos. Quase perto dos 19, consegui meu primeiro estágio após entrar na universidade. Com o escasso dinheiro, coloquei internet em casa e comecei a desfrutar das entregas por delivery. Para uma parcela da população, colocar pobre na faculdade é crime. A pena pode ser ainda maior, se o dinheiro que paga a mensalidade vem do governo. No meu caso é, admito. 

Minha avó me criou por muitos anos com a ajuda financeira de parentes próximos. Declaro, que ir ao hospital era raro. Até porque, por não termos convênio médico, buscávamos ao máximo só ir em extrema necessidade. Sabíamos que caso fôssemos, o atendimento não seria tão bom quanto o particular. Ainda assim, era de extrema importância saber que existia um hospital público disponível quando me sentisse enferma.

Agora, cheguei na ferida. Aqui em casa, o isolamento familiar acontece há mais de 40 anos. Não vejo a minha avó sair além de ir ao mercado ou na padaria. Meus outros parentes, embora possam ir um pouco mais longe, ainda assim, não saem da Baixada Santista. Não é por falta de interesse, o sonho dela é viajar para o Japão. Porém, enquanto ele não acontece, ela se contenta com as grandes reportagens do Globo Repórter. Ao saber do vírus, eles [parentes] só me pedem, por precaução, para redobrar a higiene. Por outro lado, me sinto angustiada. Afinal, sei muito bem as consequências de um país totalmente desigual. 

Por sorte, aqui não dependemos do mercado informal. Depois de anos, minha avó conseguiu um auxílio do Estado e garante o pão do dia. Em relação a mim, me arrisco nas ruas e no transporte público. O estágio não parou. Confesso ainda, que me sinto bem por ele não ter cessado. Trabalho com o jornalismo, e fazer algo para aqueles que estão em casa, é recompensador. 

No dia 26 de março, uma carreata de empresários movimentou as ruas de Santos. Eles reivindicaram a abertura dos comércios. Isto é, a volta dos trabalhadores e, a mão de obra barata da economia. Por sua vez, os mesmos, não saíram de seus veículos durante o protesto.

Enquanto escrevo, várias notificações aparecem na tela do computador, interrompendo-me. Elas dizem que já são mais de 3 mil infectados até o momento e infelizmente, o número de mortes pelo COVID-19 no Brasil, também aumenta. O governo mais do nunca, deveria assumir essa dívida histórica e arcar com todo esse povo. Ao invés disso, ele propõe que os trabalhadores saiam de suas casas e salvem a economia, sem respaldo algum.

E as boas novas?

Aos finais de semana, como este, tenho me aproximado dos vínculos familiares. Hoje mesmo, saboreei um delicioso bolo caseiro de cenoura, feito pela minha tia avó, Dona Áurea – mas a chamo de Tia Boa, desde os meus 5 anos.

Além disso, tenho investido na fotografia. Vi poesia na árvore que morre em meu quintal. A amoreira foi cortada pelo meu tio Zelão, há cerca de 15 dias. Ela, ainda com frutos prematuros, desintegra pouco a pouco na frente dos meus olhos.

Tenho também espiado a vida da vizinhança. Enquanto apreciava o pôr do sol, percebi pela primeira vez em anos, que um terreno abandonado atrás de casa, não é mais abandonado. Ao entardecer, um homem e uma menina passeavam em cima de um cavalo. De acordo com a minha avó, eles são os caseiros do imóvel.

Escrevo na incerteza de dias melhores e vidas salvas – tendo a minha também nas estatísticas de risco. Planejo, ainda que estejamos num período incerto, dias melhores. Sonho por aqui, em uma praia ensolarada com o mar bem azul. E rezo, com meu mantra do budismo, para que os leitos nos hospitais sejam suficientes para todas as vítimas que virão. E peço, para os meus ou além dos meus, que defendamos o Sistema Único de Saúde. 

E quando isso passar, pretendo dar um beijo bem molhado e um abraço apertado em todos os meus amores. Por ora, me basto nas relações virtuais. O que falta é de fato, mais empatia. Queria que essa palavra fosse como o tal do novo coronavírus, e infectasse as pessoas.