O que o isolamento mudou em mim

Por José Lucas Sena (texto) e Vitória Quaresma (fotografia) / AES


A Covid-19, carinhosamente chamada pela rapper norte-americana Cardi-B de Corounavairus, chegou com força e de forma avassaladora ao Brasil, ocasionando mais de 155 mortes e mais de 4 mil casos confirmados (até a
minha ultima atualização, no dia 30 de março). Pessoas como eu não deram muita importância logo que a doença surgiu e, agora que se tornou uma pandemia, nós – e quando digo “nós” eu me refiro ao mundo – devemos e temos como obrigação aprender e entender o que é o Coronavírus para que possamos nos prevenir e lutar, de forma dura e eficaz, contra esse inimigo invisível.

Logo que surgiram os primeiros casos da Covid-19 no Brasil – confirmados na capital São Paulo – pensei com meus botões e entendi que, logo chegaria à Baixada Santista, mas eu segui minha rotina normalmente. A ilusão
de que o vírus se resumia a uma gripe muito forte e que uma pessoa saudável e ativa não seria atingida, tampouco sentiria os sintomas, tomou conta do meu pensamento e o mantra “não vai me atingir” tornou-se a minha profissão de fé.

No decorrer dos dias, aulas foram canceladas, comércios foram fechando, mas continuei não me importando e fui junto com minha mãe à Igreja, participar da novena de São José. Eu “entendia” a gravidade, mas não me importava com ela.

Os números de casos confirmados e de mortes, no decorrer dos dias, subiam como o dólar, mas continuei sendo o mesmo cara inconsequente, que não entende e não quer ver a realidade que o cerca. Até que os jogos de futebol foram suspensos. Para um apaixonado por futebol como eu, é inadmissível que uma “simples gripe” acabe com o meu futebol sagrado de toda semana. Então, nesse dia, eu fui atrás dessa “gripezinha”. Ali, eu entendi e enfim, enxerguei que a situação era muito mais grave do que eu pensava.

Na minha casa, só compreendemos que a situação estava crítica quando uma reportagem do Jornal Nacional mostrou as pessoas que fazem parte do grupo de risco e, minha mãe (com hipertensão) e minha irmã (com asma) fazem parte do grupo de risco. A partir daí, sentimos o impacto e começamos a tomar medidas contra o Coronavírus. Ao entrar em casa, começamos a limpar o calçado em um pano molhado, numa mistura de cloro com água no quintal.

Após limpá-lo, tiramos toda a roupa e a colocamos dentro de um balde e, após disso, lavamos as mãos e só então entramos em casa. Cada um tem sua toalha de corpo e rosto, tem seu copo, seu prato e seu talher.

No dia 23, meu patrão chamou a mim e ao meu colega de trabalho para conversar sobre a ordem vinda do Governo Estadual de fechar os comércios não essenciais. Trabalhamos em uma loja de material de construção, em Santos. Eu fui “premiado” com férias de quinze dias, recebendo os 23 dias trabalhados mais os 15 dias de férias. Meu colega, ficará a disposição no “delivery obrigatório”, fazendo banco de horas. Nesse mesmo dia, como diria o grupo de pagode Sorriso Maroto,“rasguei os planos”. Eu havia planejado, junto com a minha família, visitar minha avó na Paraíba, terra da minha mãe, nas férias de julho. No mês de abril, eu e minha família iríamos à Diadema, visitar o único tio do meu pai. Eu, no feriado de Tiradentes, planejava pagar uma promessa em Aparecida. É triste ver que os planos se foram por água abaixo – ou pandemia abaixo. É uma pena ver tudo isso acontecer, mas só agora entendo a necessidade, e vendo a situação e o sofrimento em que Itália e Espanha se encontram, essas medidas, dentre outras, são necessárias.

Enfrentar de frente e ver a real gravidade desse vírus é a melhor coisa para que possamos aniquilá-lo e voltar a nossa rotina. Viver de teorias ideológicas, fazer o oposto daquilo que é recomendado e enxergar o seu próprio umbigo, colocando acima de tudo interesses relacionados diretamente á economia, sem enxergar o lado humano, que nessas horas é o bem de maior valor que temos, me fez lembrar a frase de Oscar Wilde, grande dramaturgo e poeta Irlandês: “Egoísmo não é viver à nossa maneira, mas desejar que os outros vivam como nós queremos”. É fácil querer determinar medidas e falar para as pessoas fazerem aquilo que lhe convém, mas antes, ao menos, deveria olhar para as pessoas e pensar cinco vezes antes de proferir asneiras e instigar, tanto internamente como externamente, desejos e vontades.

Ninguém queria estar passando por essa situação e, já que estamos vivendo essa pandemia, deveríamos nos unir e, entender de vez que a união faz a força. Essa quarentena veio fazer com que a gente entendesse que não somos os donos do mundo e, de quebra, nos mostrar que o calor humano é melhor que qualquer tecnologia e que a gente precisa ser mais humano. Não podemos deixar o acaso nos proteger, devemos proteger uns aos outros. Não podemos deixar essa situação e essa crise se estenderem por mais tempo. A minha, a sua, a nossa vida mudou de uma semana para outra e eu tenho certeza de que todos querem voltar, o mais rápido possível, à rotina, mesmo sendo estressante e desgastante, o olho no olho, a reunião de amigos, as conversas até altas horas à beira mar, o “Olá, tudo bem?” de cada dia está fazendo muita falta.

Como diria a cantora Kelly Key: “Mais uma noite chega e com ela a depressão”. Estar isolado de tudo e de todos me fez enxergar as situações de uma nova maneira e ver meus erros e acertos, e ver que sou humano, não uma maquina. Esse tempo “by myself” deu uma oportunidade única de conhecer o “meu eu”, dando a chance de separar o joio do trigo, tanto em relação a pessoas, pensamentos e ideais. Quando a chuva passar e o tempo abrir, vou viver tudo com mais intensidade e vou viver de forma totalmente diferente da qual eu vivia até essa pandemia chegar.