Relato de um confinamento

por Maria Angélica (teto) / AES

Nessa quarentena tive o prazer de resgatar antigos hábitos, como o de escrever com papel e caneta, passo horas e gasto folhas e mais folhas em um único dia, sempre gostei de pôr as ideias em uma página em branco, inclusive foi por isso que escolhi fazer jornalismo, mas com a correria da faculdade, do trabalho e dos afazeres de casa acabei deixando de lado essa paixão, claro que sempre deixo algumas frases anotadas no bloco de notas do celular, mas elas nunca me levam a lugar algum.

Por um lado, isso é bom esse tempo de resguardo, mas por outro é dolorido, não só para mim, hoje eu tenho um teto, comida na mesa e carinho dos meus avós, mas e quem não tem? E quem pode perder o mínimo de conforto devido a essa crise? E quem não pode sedar ao luxo de parar? Meu pai, minha mãe e minha irmã estão em Manaus, a precisamente 3.956 km de distância e meu pai levanta todos os dias pra trabalhar, hoje mesmo eles foi escalado pra montar uma base de triagem para a vacina contra a gripe, hoje mesmo ele estava exposto e eu de tão longe nada posso fazer, apenas orar e olha que nem sou um exemplo de pessoa religiosa, mas minha avó costuma dizer que Deus gosta de simplicidade e sinceridade, se for assim acho que minhas preces podem chegar até ele.

Deixando a melancolia de lado, assumo que estou evitando os jornais, vejo os dados no máximo duas vezes ao dia, eu sinto muito, mas não tenho estômago, eu tenho que me manter em pé, bem, disposta, ajudar os meus avós e tentar pensar positivo, acho que a maior dificuldade é deixar de fato a melancolia de lado, estou tentando me distrair, então gosto de assistir desenhos, principalmente pica-pau, quando morava com a minha mãe nós passávamos horas rindo e assistindo juntas e por mais bobo que possa parecer assim eu me sinto mais próxima dela.

Também estou cozinhando mais, minha avó gosta da minha comida, ou talvez ela só não goste da dela, mas de qualquer forma é um ótimo passa tempo, outra atividade que adoro é ouvir meu avô contar histórias ou divagar em teorias, é impressionante como um homem que só estudou até a quinta série tenha tanto a ensinar e assim passo os meus dias, converso com os meus amigos rimos de piadas idiotas e por alguns minutos esquecemos de tudo, ligo para minha mãe e já chegamos a ficar três horas no telefone, tento ler livros clássicos, estou tentando de verdade terminar Os Sertões, quem sabe eu consiga, porém não abandonei os meus livros de romance ou os poemas, assisto séries e chego ao final do dia. Alguns dias são mais pesados, a mente trabalha contra mim e só consigo pensar no desespero, no desamparo e na solidão, alguns dias eu só queria o colo da minha mãe, só queria uma notícia boa e a certeza de que as pessoas vão ficar bem, mas eu não tenho isso, então me contento com que tenho, com a gargalhada do meu avô, com o jeito engraçado da minha avó, com o miado do gatinho que vive conosco e um dia de cada vez, é isso que temos.