Pandemia impacta trabalhadores informais na Baixada Santista

por Nicole Zadorestki (texto) / AES

Profissionais de diferentes classes sociais passam necessidades que vão da alimentação à higienização

A geladeira branca abriga poucos itens para alimentar uma família em tempo de pandemia. Em uma panela vermelha, algumas folhas de alface. Em um pote preto, três ovos. Podemos ver, ainda, um pouco de margarina e talos de salsinha. Nada mais, além do vazio. 

O eletrodoméstico pertence a uma moradora da comunidade do México 70, na Vila Margarida, em São Vicente, Litoral de São Paulo. Os alimentos são de uma casa composta por quatro pessoas, uma mãe solo e três filhas, de 16, 13 e 12 anos, que pediram para não terem a identidade revelada. 

Devido à pandemia da COVID-19, pelo novo Coronavírus, o mundo está redobrando a higiene. As orientações básicas aos munícipes pedem uma menor circulação nos meios sociais, e caso seja necessário sair de casa, levar consigo álcool em gel e máscara. Ao chegar na residência, roupas e sapatos precisam ser limpos. Os respectivos cômodos do imóvel, também. 

No entanto, nem todas as pessoas possuem dinheiro e acesso à limpeza para que, assim, evitem a proliferação do vírus. No Brasil, por exemplo, 35 milhões de brasileiros (ou 17% da população) vivem sem acesso à rede de abastecimento de água, desassistência que aumenta em relação à coleta e tratamento de esgoto. Pelo menos 100 milhões de brasileiros não têm acesso a esses serviços, ou seja, quase metade da população do país. Os dados são de um levantamento do Instituto Trata Brasil, conforme noticiou o  jornal Folha de S. Paulo, em 2019. 

Além disso, o que a economia informal movimenta representa 17,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Podemos imaginar este sistema formado por uma engrenagem de trabalhadores, com perfis sociais semelhantes. No topo da cadeia  temos a taxa de desemprego, que segundo a Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), atingiu 11,9 milhões de brasileiros até janeiro deste ano. Para esses cidadãos, restam-se dois caminhos a seguir perante uma pandemia: encarar o vírus silencioso nas ruas ou a fome dentro de casa. 

Um exemplo de cidadã que se arrisca nas vielas da cidade e, ainda, encara a voracidade da falta de alimentos em casa, é a moradora de São Vicente, citada no início do texto. A mulher recebe um auxílio do  Estado, por ter uma filha que possui autismo e deficiência física. Esse auxílio é no valor de R$ 800 mensais. 

Antes da pandemia, a moradora prestava serviços como empregada doméstica na casa de um trabalhador autônomo, em Santos. Todavia, teve o vínculo suspenso no início de março, quando os casos no Brasil começaram a aumentar. Com a falta de dinheiro em casa, a maior preocupação é com a alimentação.

“Sempre criei meus filhos sozinha. Não tenho pensão, nem ajuda dos pais. Várias vezes, não tínhamos o que comer. Eu e meus filhos  já sentimos a fome. Hoje, eles estudam e eu procuro um trabalho. Sou esforçada e sempre corro atrás das coisas. Neste momento, não sei como estamos vivendo, e nem sabemos como viveremos. Até porque, moro em uma favela. Não tenho esgoto em casa e às vezes falta água”, desabafa. 

Em sua casa, na falta de um fornecimento oficial, a água e a luz são feitas por meio de um ligação clandestina. Portanto, não paga o consumo. O dinheiro do benefício está sendo destinado, apenas, para os insumos mensais. Todavia, não é suficiente. Do núcleo familiar, ela é a única que não está em isolamento social, e conta como está sendo a precaução e higienização durante este período. 

“No momento estou usando somente detergente, porque não tenho condição de comprar álcool em gel e máscaras. Estamos nas mãos de Deus.” 

Efeito em cadeia 

Por ter sido dispensada do trabalho, está recebendo cestas básicas do empregador, como ajuda. Ele leva os produtos até a residência da ex funcionária. 

Em entrevista, o trabalhador autônomo de 36 anos, que também não terá a identidade revelada, explica que tinha 90% do faturamento da renda mensal, os serviços que realizava em festas. Perante a situação mundial, teve que suspender as atividades da empregada doméstica, por medo de uma possível contaminação, já que possui na família crianças e pessoas incluídas no grupo de risco. Como também, acima de tudo, não ter dinheiro para pagá-la. 

“Neste mês, não paguei o aluguel, nem as parcelas do carro. O banco, inclusive, já ligou. Vou pagar a conta de água, luz e internet. O restante do dinheiro vou destinar à comida. O que não for essencial, negocio depois. O básico não posso deixar de pagar”, conta sobre a demissão da funcionária. 

Diante deste cenário, o Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo (SINDOMESTICA), que também abrange as domésticas do Litoral, comunica por meio de nota sobre a necessidade de haver um diálogo entre empregado e empregador, assim como o fornecimento de meios para garantir a segurança dos funcionários.

Diante das determinações de isolamento social estabelecidas pelas autoridades, a pandemia provocou uma crise entre demanda e oferta. Afetando, consequentemente, a classe menos favorecida da sociedade, composta principalmente por trabalhadores autônomos e informais. Contendo nesta parcela, por exemplo, as empregadas domésticas. O jornalista e cientista político, Fernando Wagner, explica sobre a tendência para o mercado de trabalho nos próximos meses.

“A tendência é uma diminuição considerável dessas atividades. Afinal, os tomadores de serviço limitarão a contratação deste público, para gastar somente no essencial, até a recuperação da situação econômica do País.”

Iniciativa governamental oferece auxílio emergencial

No final de março, após aprovação pelo Senado, o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, sancionou um auxílio emergencial de 600 reais aos trabalhadores autônomos, informais e microempreendedores, durante este período de pandemia. O valor corresponde ao triplo previsto no projeto enviado ao Congresso, que seria 200 reais, e será pago durante três meses.

O montante pode chegar a 1.200 reais, se a mulher for chefe de família. Para solicitar o benefício, é necessário baixar o app Caixa Auxílio Emergencial ou acessar o site da Caixa. 

Para o cientista político, o auxílio emergencial deveria se constituir num programa de renda mínima. Isso porque, segundo Fernando Wagner, o reflexo da pandemia pode aumentar o número de pessoas em situação de rua no Brasil.  

“Infelizmente, essa classe trabalhadora, que inclui empregadas domésticas  e vendedores de rua, terão sérias dificuldades de ganhar o mínimo de dinheiro  para alimentação e habitação, durante um longo tempo. Podendo levá-los a uma situação extremamente crítica”, adverte.

O cientista político defende que o Governo Federal crie um programa de Renda Mínima para tais trabalhadores, com dois anos de duração. Ele argumenta: “A fim de evitar que esse enorme contingente não se torne pessoas em situação de rua, por total falta de condições de manter um lar.”

“Por fim”, continua Fernando Wagner, “em momentos excepcionais na economia, é imprescindível medidas extraordinárias para assegurar o mínimo de recursos necessários à sobrevivência das pessoas mais carentes da sociedade.  Essa é a função do Estado: salvar a sua população em momentos de pandemia, sem discursos de natureza fiscal.”

Crescimento desigual explica comunidades em São Vicente

A Região Metropolitana da Baixada Santista ocupa uma área de 2 419,930 quilômetros quadrados, e 1,8 milhões de moradores fixos. Sendo a 17º região metropolitana mais populosa do Brasil. Nesse contexto, há cidades que seguiram rumos completamente diferentes perante a rápida industrialização e imigração para as zonas urbanas. O cientista político, Fernando Wagner Chagas, explica o motivo das comunidades na região, e em especial, no município de São Vicente. 

“Santos apresentava desenvolvimento urbano organizado e crescimento econômico sustentável, em decorrência de sua situação geográfica, que abrigou o maior porto do País e por onde passa 25% do nosso comércio exterior. Contudo, o Município de São Vicente não ofereceu nenhuma condição geográfica ou urbana na época, para a instalação de indústria na sua área continental, nem a implementação de atividades portuárias na sua parte insular. Tornando assim, a cidade dependente de setores econômicos com baixa produtividade.”

São Vicente conta com cerca de  360.380 habitantes, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2017. Deste modo, o município é o segundo mais populoso do litoral paulista. Ainda de acordo com o IBGE, em 2010, 86.684 pessoas moravam em aglomerados subnormais na cidade. Este termo é classificado como ocupações ilegais de terra, núcleos que possuem urbanização foram dos padrões vigentes, construções não regularizadas por órgãos públicos ou precariedade na oferta de serviços públicos essenciais (abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica). 

“Cabe lembrar que essa população – que muitas vezes está abaixo da linha da pobreza – escolheu morar nas denominadas favelas, porque não teve alternativa, que não fosse viver em regiões afastadas,  por absoluta falta de condições financeiras, para pagar uma moradia num centro urbano, como Santos. Em resumo, a situação de muitos habitantes de São Vicente, que não possuem empregos formais e vivem em habitações precárias,  é um problema estrutural e crônico, que requer políticas públicas de longo prazo, para a amenizar o sofrimento dessas pessoas, que têm origem num passado bem distante”, sintetiza o cientista político.