As percepções da quarentena e a empatia social. Foto: Vitória Quaresma
por Ravena Soares (texto) e Vitória Quaresma (fotografia) / AES
E cá estou eu, no dia de número incontável da quarentena. É a Semana Santa, a qual comemoro desde que me entendo por gente, pois crescer em um lar cristão me deu essa vantagem. Antes dessa semana, houve outra, outra e outra e lá se vão quase 30 dias – um mês, em um confinamento que parece durar mil anos. A ideia de ficar em casa por tantos dias sem contato com a considerada vida real, é um tanto assustadora e, por vezes, deprimente.
Como boa parte da juventude moderna do século 21, sou viciada em livros e séries, então, ficar em casa nunca foi um problema. Sempre troquei baladas, noites de bebedeira e farra pela minha própria companhia e, de fato, passar o fim de semana em casa, após uma semana inteira de trabalho e faculdade, sempre foi o meu maior prazer.
Mas percebi, nesses quase 30 dias trancafiada, que há uma grande diferença entre querer ficar em casa e precisar ficar e de repente, a rotina estágio-faculdade, que considerava cansativa, virou saudade. Cansativo mesmo é não ver gente.
Veja bem, apesar de amar ficar em casa, ainda sou uma jornalista em formação, tenho meu lado ‘humanas’ aguçado, e estar rodeada de pessoas é a minha maior paixão. O que eu realmente escolhi viver. Esse mesmo lado ‘humanas’ tem sido o ponto alto desses dias, que estão me fazendo pensar com mais empatia do que o habitual. Afinal, se isolar socialmente é a maior prova de empatia coletiva dos últimos anos.
Refletindo sobre isso, percebi – mais uma vez – o quão injusta nossa realidade é e que nem tudo é sobre meritocracia. Reconheço meus privilégios em meio a um País em que a desigualdade social é gritante: tenho um bom lar, acesso à internet, várias refeições ao dia e uma boa estrutura familiar, mas ainda assim encontro dificuldades em realizar meu trabalho em home office e assistir às aulas em EAD. A casa pequena não me dá a privacidade necessária, a internet falha e o computador compartilhado me impede de realizar alguns trabalhos, mas ainda assim tenho mais estrutura que a maioria dos brasileiros.
É a típica vida do jovem-adulto classe média baixa, apenas. Todos esses pensamentos me levaram a uma realidade desconhecida por mim, para a vida daqueles que não possuem conforto, alimentação ou acesso fácil a redes de internet e ensino, que foram demitidos de seus trabalhos por não terem condições de um home office, talvez, ou apenas foram porque as empresas precisaram fazer cortes de custos emergenciais para a situação inesperada.
Se eu, com todo o conforto possível, estou tendo inúmeras dificuldades de exercer o que amo, imagine a Maria, que divide um cômodo com mais cinco irmãos e precisa estudar para um vestibular muito concorrido. Ou a Lurdes, que
não tem condições financeiras para ter um computador e internet e passa horas em busca de livros em lixões. Penso também no João, que come farinha e água uma vez por dia e contava com a alimentação da rede pública de ensino, e agora nem isso tem. E também tem o Carlos, que foi demitido por não ter o que oferecer à empresa em meio a essa crise. São tantas realidades dentro de um único país que não cabem em um texto escrito por uma estudante de Jornalismo privilegiada, que está passando por uma situação difícil que atinge todo o mundo, diferentemente das pessoas que passam por isso todos os dias, durante anos e não são alcançadas. Meu isolamento social tem durado quase 30 dias, enquanto o deles tem durado uma vida inteira.
Eu escolhi, por saúde, por proteção, por empatia, estar isolada pelo tempo que for necessário e carrego as marcas desta escolha. Mas as Marias, as Lurdes, os Joãos e os Carlos que vivem por aí, vivem em um isolamento social que parece ser infinito e eles não escolheram isso, mas nós, como sociedade, os forçamos a vivê-lo. Essas tem sido minhas percepções durante os meus dias difíceis da quarentena, que estão sendo regados por uma fé que acredita que os dias bons estão próximos e que com eles virão à consciência de que precisamos mudar urgentemente.