O mundo pós-pandemia e as relações sociais

por Aline Cacimiro e Letícia Alves / AES

 

De acordo com o infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e autor do livro Pandemias – a Humanidade em Risco, Stefan Cunha Ujvari, diz que a quarentena provocada pelo novo coronavírus é a primeira da história em escala global.

“Não tem como a gente comparar [a atual pandemia]. É uma questão única essa, de praticamente termos parado o planeta todo por causa de uma epidemia nova e todos os problemas que ela vai causar no sistema de saúde e, basicamente, na economia. Não tem uma comparação, é um caso único, de quarentena geral, de praticamente todos os países”, disse.

Os dados da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) apresentam que ao menos 1,5 bilhão de pessoas estão sendo afetadas pelo isolamento social em prol do combate ao coronavirus.

Apesar das diferenças, ainda de acordo com o pesquisador, a Peste Negra, que devastou a Europa entre 1347 e 1351, também trouxe o isolamento e a diminuição do comércio.

“O comércio parava, porque as cidades próximas ficavam com medo da Peste Bubônica chegar à cidade. Fechavam os portões da cidade, não tinha trâmite comercial, a economia declinava. As pessoas ficavam dentro de casa, praticamente isoladas, porque elas achavam, naquela época, que uma das causas da epidemia eram os miasmas, que seriam gases venenosos que saíam do solo ou mesmo das pessoas que morriam. As pessoas ficavam dentro de casa, isoladas, janelas fechadas, para os ventos não trazerem os miasmas. Os cadáveres eram colocados na porta das casas e os órgãos dos governos das cidades levavam em carroças, enterravam em valas coletivas, era um verdadeiro caos”, descreve Cunha.

Como o surto de gripe mais grave do século 20, a Gripe Espanhola matou entre 25 e 50 milhões de pessoas no mundo. Entre pandemias e epidemias, uma característica comum é o pânico: “A Gripe Espanhola de 1918 gerava pânico e hoje a gente vê que acaba a cloroquina nas farmácias, acabam máscaras. Naquela época, acabavam nas mercearias a cachaça, o alho e o limão, porque as pessoas acreditavam que eram substâncias que preveniam a doença”, compara o infectologista.

Em pesquisa com estudantes de diferentes cidades do Brasil, podemos notar a diferença em como lidamos com o isolamento social.

A estudante de Jornalismo, Danielle Ferreira, de 25 anos, diz que este momento tem sido estressante. “Mesmo estando em casa, sinto-me às vezes esgotada emocionalmente, por várias demandas que tenho. Tento me distrair fazendo cursos, até mesmo cantando e pintando”. Há pouco mais de 2 meses em casa, Danielle conta que sai apenas para fazer compras, uma vez por semana. Para amenizar a saudade, a estudante usa aplicativos para celular como Zoom e Whatsapp. Sobre o futuro, ela diz:  “Acredito que por um tempo as pessoas terão um pouco de receio sim. Mas creio que o que irá mudar mesmo é a nossa visão sobre a vida. A importância das pessoas, do trabalho, dos amigos”.

Para a estudante de Publicidade e propaganda, Mariana Reis Santana, de 19 anos, que reside em Santos, litoral de São Paulo, o isolamento foi difícil no começo, mas agora está mais tranquilo. “Já esteve pior! Teve dias que eu fiquei bem entediada e estressada. Mas agora estou bem. Costumo fazer devocional e coisas que me fazem sentir bem como ler, estudar, dormir bem, receitinhas”. Em isolamento desde o dia 23 de março, a estudante diz ter conversado mais pelo aplicativo Whatsapp, mas não com tanta frequência. Quando este momento passar, Mariana acredita que viverá normalmente, mas dará mais valor aos momentos fora de casa.

Em entrevista com a estudante de licenciatura em História, Lidia Ramires Borges, de 24 anos, que reside em Jaguarão, Rio Grande do Sul, podemos perceber que, mesmo em cidades onde a pandemia do coronavirus não proliferou, os cuidados são tomados pelo prefeito e a população. “Aqui na minha cidade não está tendo lockdown, mas o prefeito tomou várias medidas de isolamento. Foram fechadas as praças, a orla do rio que tem na cidade, assim como pontos onde poderia haver aglomerações e a vigilância sanitária tem circulado pela cidade fechando estabelecimentos que não respeitam a ordem de distanciamento”. Ainda de acordo com Lidia, o Dr Favio Teles, prefeito da cidade, faz lives uma ou mais vezes por semana na rede social Facebook para informar a população de como estão os casos e os procedimentos para as próximas semanas.

O doutor em filosofia e historiador da Unicamp, Leandro Karnal, disse em entrevista à CNN Brasil: “Na tradição histórica, depois de um período de recolhimento e morte, há uma grande explosão de vida. É o caso do Renascimento após a Peste Negra. Depois da Revolução Francesa, a moda em Paris se tornou muito extravagante e internacionalmente famosa. Haverá uma tendência a uma explosão de sociabilidade em um primeiro momento”.

Ainda segundo Karnal, três fatores aceleram a história: guerra, revolução e epidemia. “O primeiro fator de uma epidemia, guerra ou revolução é acelerar processos que já estavam em curso. Essa é uma mudança irreversível. Nós estamos vendo a história mudar tão rapidamente que, há três meses, se alguém visse como vi hoje tantas pessoas entrarem de máscara no prédio, seriam detidas por tentativa de assalto. Hoje, quem não está de máscara é visto como infrator”.

Para o historiador, no Brasil, devido à desigualdade social, encaramos a pandemia de forma diferente. “Aqui, o que a epidemia trouxe à tona, de forma cristalina, é uma desigualdade tão brutal, evidente, que até para a morte somos distintos. As classes média e alta envolvem um debate sobre como lidar com o tédio e com as crianças em casa. A classe mais baixa pensa em sobreviver e o risco de perder o emprego. Somos um país que já estava imerso na informalidade, e ela foi atingida como um raio pela epidemia”, lanenta.

E sobre o futuro, Karnal prevê um período de grande alegria e felicidade para a humanidade, logo após a pandemia do novo coronavírus.