Uma notificação de madrugada. O inverno deste ano está gelado, um cachecol cai bem

Por Nicole Zadorestki/AES

Acordei-me na madrugada com uma notificação eletrônica. Um barulho estridente de apito vindo do meu celular, que descansava numa mesa perto da cama. Olhei para o relógio, quase quatro horas da manhã, ainda de madrugada. Levantei antes do que o habitual e segui em direção à luz azulada. Tonta de sono desbloqueio o aparelho. A claridade, agora, quase me cega. Fecho as pálpebras bruscamente e procuro um ponto de luz mais uniforme, uma forma das minhas pupilas se recuperarem. Após 6 segundos dirijo minha atenção para outra notificação. Esta, por sua vez, mais ressonante que a anterior. Olho para aquela pequenina tela cheia de símbolos e significados. Sedenta para descobrir quem havia me enviado algum recado, deslizo a barra de mensagens.

Me frustro, inigualavelmente, ao descobrir que se tratava de um e-mail comercial. Uma loja de roupas exibe promoções de cachecóis e toucas. É inverno, faz frio. Aliás, meus pés estão congelando neste assoalho branco. Volto para a cama. O celular toca mais uma vez. Me viro para um lado. Viro para o outro. Desconcerto na escuridão à procura de imagens. Tento adormecer, mas me frustro. A curiosidade é maior do que o sono. Ela corre em minhas veias, como o sangue que é bombeado pelo coração. Tento entender, a fundo, o motivo dessa agonia. Por que eu espero que alguém me mande alguma mensagem? Por que essa notificação mudou minha noite de sono? Eu conseguiria, realmente, adormecer?

A essa altura do campeonato já roí as unhas. Lembro da minha terapeuta, uma senhora de cabelos enrolados e grisalhos. Meio riponga, sempre usa uma calça boca de sino. Ela diz que devemos fazer aquilo para nosso próprio bem estar. Oras, pensando desta forma, vou beber um leite quente. Aproveito o caminho, passo pela mesa e olho a notificação.

Inacreditável. Fico pasma como algumas pessoas perdem o senso. Um cliente do escritório me enviou uma mensagem perguntando sobre o andamento do processo. Vou simplesmente ignorar, afinal não estou no horário de trabalho. Com o celular nas mãos caminho até a cozinha e preparo um mingau. Sim, eu iria só esquentar a jarra de leite. Mas lembrei de outra situação. Quando criança, minha mãe me acordava com um delicioso prato de mingau de aveia. Bom tempo aquele. A vida adulta me cobra responsabilidades acima da média. Em segundos recebi outra mensagem. Mais uma vez?

O cliente do escritório pergunta se posso respondê-lo, isso porque estou on-line. Engulo as colheradas e envio: “Seu processo está em andamento, Carlos. Mais tarde lhe encaminho mais informações”. Já são cinco da manhã, horário que habitualmente levanto. Aproveito que estou acordada e olho meus e-mails com afinco.

Do estacionamento dirijo até o Centro da cidade. No céu nublado, uma abertura de sol. Os prédios estão cobertos por uma neblina densa. Faz frio, como disse anteriormente. Lembro da propaganda da loja. Digo então: “Alexa, comprar cachecol”. Com uma rápida transferência, finalizo a aquisição. A entrega chega ainda hoje.

Outra notificação, agora de uma loja de sapatos. Quem sabe amanhã faz sol? Uma sandália cairia bem. São seis da manhã. Me sinto esgotada, como se já tivesse trabalhado por horas. Que estranho, acabei de começar.