Preservação histórica de jornais na internet

Por Rafaela Ribeiro/AES

A internet foi uma das grandes invenções da humanidade do último século, que mudou para sempre não somente como nós nos relacionamos e comunicamos, como a nossa forma de consumir diferentes produtos de mídia. Responsável por democratizar o acesso ao conhecimento, a internet se tornou o principal meio para a divulgação cientifica e uma importante ferramenta de pesquisa para estudantes e pesquisadores.

Diante desse quadro, diversos produtos de mídia ganharam versão virtual ou foram digitalizados, abandonando ou deixando o formato impresso em segundo plano, assumindo a internet em seu principal meio de reprodução.  Porém, não podemos ignorar a importância das mídias físicas para a história da humanidade, afinal, por séculos esse foi o principal meio de comunicação e divulgação da informação.

O jornalismo impresso nos possibilitou e possibilita compreender uma época, seus costumes, acontecimentos importantes e linguagem, e por esse motivo, publicações impressas formam uma valiosa fonte documental do período em que circularam, daí a importância do trabalho de preservação e catalogação desse tipo de material.

É inegável que os jornais impressos vêm desaparecendo das bancas, mas a diferença nas vendas entre jornais digitais e impressos, ao contrário do que se pensa, não é tão gritante. Apesar do crescimento de assinaturas digitais, elas não ultrapassam 5% do total de consumo do segmento, de acordo com uma pesquisa conduzida pelo instituto Reuters, e o Brasil está entre um dos sete países em que a população confia mais nos jornais impressos, em detrimento dos digitais.

A mídia que mais tem sofrido com esse processo de digitalização são as revistas, de acordo com dados divulgados pelo instituto verificador de comunicação (IVC), os títulos impressos sofreram queda de 38,9% nas vendas.

Entretanto, a acessibilidade é uma das grandes vantagens do meio digital. De acordo com o jornalista, escritor e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, Sérgio Willians, o seu blog Memória Santista recebe cerca de 20 mil leitores ao mês: “Se eu publicar os meus textos no Jornal da Orla, por exemplo, eu não vou ter um décimo dos leitores que tenho na internet, mesmo na Tribuna (jornal de maior circulação na Baixada Santista) eu tenho certeza de que o número de leitores que eu tenho no blog é muito maior, devido à acessibilidade”.

Para Willians, a criação da internet foi a grande quebra de paradigma do século 20, pois os historiadores do passado, como o primeiro historiador da região, Frei Gaspar da Madre de Deus, que viveu entre os séculos 18 e 19, tinham acesso apenas a documentos manuscritos e impressos como ferramenta de pesquisa, e isso mudou ao longo do século passado, com o surgimento do rádio e da televisão como forma de registro histórico e difusão cientifica. O jornalista também ressalta como a internet ajudou a tornar estudos de historiadores e pesquisadores do passado acessíveis, e um exemplo disso é o site Novo Milênio, criado por Carlos Pimentel, que consiste em um grande banco de dados, com transcrições de matérias de jornais, teses acadêmicas, fotos e livros antigos, foi o primeiro site a divulgar a memória da região, e também uma grande inspiração para a criação do blog Memória Santista.

Willians também destaca a importância dos bancos de dados, principalmente quando se trata da reprodução de jornais antigos, ele cita como exemplo o Google News Archive, um projeto do google de digitalização do acervo de jornais importantes do mundo inteiro, o projeto foi descontinuado em 2011, porém esse foi o primeiro passo para que muitos jornais como Estadão, Folha de S.Paulo e Revista Veja começassem a investir em digitalizar o próprio acervo.

Hoje, projetos como a Hemeroteca Digital Brasileira, que pertence à Fundação Biblioteca Nacional, contam com um grande acervo digital, de mídias como jornais e revistas, de acordo com Willians, a hemeroteca digital e o Instituto Histórico e Geográfico de Santos estão cooperando juntos em um projeto para digitalizar os acervos de jornais santistas. “Nós já temos mais de 40 mil páginas, de jornais daqui da cidade, que já estão disponibilizados nesta plataforma.”

Entretanto, ainda há um grande caminho a ser percorrido, pois existe um milhão e meio de páginas que ainda não foram digitalizadas. “Nós tivemos de paralisar o projeto, por conta da pandemia e também porque os recursos baixaram bastante, mas pretendemos retomar agora em 2022, nós fizemos um PROAC pra isso, eu consegui dinheiro do ministério público e também de emenda parlamentar pra consegui comprar os equipamentos e tocar o projeto.”

Apesar disso, esse material que já está disponibilizado no site da Hemeroteca Nacional já vem sendo usado como fonte de pesquisa para estudantes, pesquisadores, historiadores, entre outros profissionais da área acadêmica. Além do valor acadêmico, o trabalho de preservação histórica é algo que possui um grande valor sentimental: “Eu fiz um teste, o jornal A tribuna, na Hemeroteca Nacional, já tem anos 1960, 70, 80 e 90, ou seja, anos muito contemporâneos ainda. E coloquei o nome de uma pessoa que trabalha comigo, o nome dela é Marli, ela tem 63 anos, então ela tem bastante história. Eu botei o nome dela na busca, tinha um monte de coisa dela, daí eu fui brincar com ela, eu falei ‘Dona Marli, eu fiquei sabendo que você foi bandeirante’, ‘Como é que você sabe?’ ‘´É, porque eu achei uma matéria na A Tribuna, sobre a visita das bandeirantes na COSIPA, e tava o seu nome lá como representante das bandeirantes’’’, conta Willians.

Trabalhar com a memória de uma região não é apenas trabalhar com a história do lugar, mas também com a história das pessoas que vivem ali, através de fotos, ou matérias antigas, você pode ter acesso a uma memória de infância, lembranças que talvez você não despertasse, se não fosse por esse contato. “Eu me sinto muito privilegiado, sou um memorialista que tem o privilégio de conseguir informações históricas através do computador, do sistema de buscas, é um outro momento.”

Porém, a preservação histórica por meio digital e do banco de dados não substitui a preservação de objetos físicos, pois diferentemente do que muitos acreditam, nem tudo que é postado na internet fica para sempre, apesar de todos os benefícios proporcionados. É comum que, com o tempo, a hospedagem de alguns sites acabe ficando obsoleta, e ele não funcione tão bem nos novos aparelhos, por isso os acervos digitais devem ser tratados apenas como um complemento para os acervos físicos, e não como substitutos.