Escritoras lançam livros autorais na pandemia

Por Nicole Zadorestki/AES

Do rascunho nas folhas até a diagramação, produzir livros nacionais não é uma tarefa fácil, mesmo com o avanço tecnológico. A literatura é uma forma de expressão artística construída pelas palavras. Uma junção de verbos, frases e parágrafos que provocam, na voz da consciência, fonemas perfeitos para cada personagem. 

Criar e escrever uma história demanda tempo e cuidado, mas nem sempre recebe a devida remuneração e reconhecimento profissional. Isso porque o brasileiro lê em média 4,96 livros ao ano, segundo uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Pró-Livro. Um escritor com até seis anos de carreira pode ganhar até R$ 3 mil mensais, de acordo com levantamentos em sites de emprego. Já na distribuição, editoras e livrarias pagam, aproximadamente, 10% da capa do livro, a título de direitos autorais.

Diante de tantos contras, com o isolamento social, necessário para conter o avanço do novo coronavírus, o setor registrou  crescimento nas vendas. Em 2020, mais de 150 mil títulos foram catalogados no Brasil, segundo a agência regulamentadora ISBN. Entre janeiro e setembro deste ano foram vendidos 36,1 milhões de exemplares de livros, aumento de 39% em comparação ao mesmo período do ano passado. 

Na Baixada Santista, no Litoral de São Paulo, espaços culturais retomam as atividades e plataformas digitais engajam o público, no intuito de fomentar o mercado. Profissionais promovem ações e lutam para conciliar mais de um emprego. 

O Segredo de Mirela

O livro infantil nasceu de uma conversa informal e despretensiosa entre a autora e Mirella, da vida real, quando um grande segredo foi contado: o medo do escuro! Depois de alguns dias, Patricia Limeres, moradora de São Vicente, começou a produzir o conteúdo. 

“Num primeiro momento, aquilo me causou um certo estranhamento, porque eu tinha nela uma referência de fortaleza.  Uma pessoa corajosa e destemida, dadas todas as circunstâncias difíceis e desafiadoras pelas quais ela já havia enfrentado. Na conversa, ela relatou algumas situações do cotidiano e como lidava para encarar o medo”, explica a autora. 

A jornalista, pós-graduada em Gestão Cultural, possui outras obras com foco em incômodos, dores e inquietações. Através da explicação da amiga, decidiu escrever para crianças, já que os medos aparecem nesse período e perduram ao longo da fase adulta. O registro, feito por e-mails, ficou guardado por 12 anos, com lançamento em 2020. 

“O que fiz foi pegar o medo e as características da Mirella emprestados para contar uma história mista, com elementos reais e fictícios. O texto ficou guardado no escuro da gaveta esperando o momento certo de vir à luz e ganhar vida. Com a pandemia, muitos medos vieram à tona, não só nas crianças. Considero, de suma importância, estarmos atentos aos nossos medos, para cuidar e lidar com eles. E não dá para fazer isso se não olharmos e falarmos sobre eles. Por isso, o livro propõe esse exercício”, conta.

O projeto social surge para ampliar o acesso ao livro e à leitura por prazer a quem não tem, somado à tentativa de prolongar a vida da história para além do ponto final, tratando o livro como uma experiência. 

“Cada participante do projeto terá um momento de reflexão, partilha e escuta, numa roda de conversa temática. Depois, terá um encontro presencial ou online com a autora e será presenteado com um exemplar autografado em seu nome. Cada criança perceberá que pode ser o leitor, ouvinte e contador da própria história”, comenta com alegria. 

Literatura policial ganha espaço nas vendas

O thriller, que tem como característica a tensão e a euforia, não surge apenas com a música de Michael Jackson. Em um mercado majoritariamente composto por homens, Cláudia Lemes, escritora de Santos, produz obras há 23 anos. Lançou entre 2020 e 2021 ‘Quando os Mortos Falam’ e ‘A Segunda Morte de Suellen Rocha’.

“Quando os Mortos Falam é uma junção entre a parte policial com o horror. Fala sobre a solução de um crime, de uma maneira  brasileira. Aí está um ponto crucial. Em produções gringas, você tem uma corrida para descobrir quem fez. Mas, no Brasil, é diferente. Eu quis abordar as dificuldades que a polícia enfrenta no país, algo que não vejo acontecer na maioria das obras. Os personagens são realistas”, diz a autora. 

Ambos os lançamentos foram feitos virtualmente, por causa das restrições impostas pelo Plano São Paulo. “Tive, junto com a editora AVEC,  que encontrar estratégias, já que a distribuição para livrarias sofreu muito nesse período. Focamos nas vendas online – fizemos uma pré-venda de sucesso usando o Catarse, e passamos muito tempo nas redes sociais divulgando o conteúdo. Apesar da crise, a adesão está positiva”, explica.

Escrever durante o isolamento social foi um desafio

Mãe de três filhos, a escritora precisou se adaptar para trabalhar e entregar as demandas dentro do prazo. Ainda assim, produziu 4 livros do zero. Planeja levar os livros para as telas do cinema. “Em A Segunda Morte de Suellen Rocha, alguns direitos autorais já foram vendidos.  Agora em Quando os Mortos Falam, acho difícil porque o livro faz uma homenagem ao cinema. Isso pode ser um problema para licenciamento e direitos autorais. Apesar disso, há sim gente interessada. Mas vamos com cautela porque tudo no Brasil em relação ao cinema, à cultura, sempre é difícil. O processo é lento. Então temos que colocar o pé no chão quando negociamos este tipo de coisa”, desabafa.