Semana de Arte Moderna virou divisor de águas

Por Danni do Vale

 

Nas noites de 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, um grupo de jovens artistas descendentes da elite do Estado, alugou o Theatro Municipal de São Paulo para se rebelar contra a secular estética academicista importada da Europa. 

Contraditoriamente, esses artistas, como tinham uma vida confortável, puderam estudar em outros países, especialmente europeus, trazendo novos conceitos artísticos, disseminados por movimentos de vanguarda, que misturaram à arte brasileira. No Theatro Municipal, escritores como Mário de Andrade e Oswald de Andrade, pintores como Di Cavalcanti e Anita Malfatti, compositores como Heitor Villa-Lobos e outros declamaram, expuseram e tocaram suas obras totalmente livres de imposições do passado. 

Naquela época, duas correntes artísticas dominavam a cultura do Brasil: o parnasianismo e o academicismo. O parnasianismo é uma corrente literária que valoriza a forma e não o conteúdo em suas obras, os versos e os poemas devem ser meticulosamente contados e rimados; o academicismo dominava as artes plásticas de então, e o mais importante era  copiar os modelos, deixando pouco espaço para as emoções. O modernismo veio para  criticar e ironizar o parnasianismo e propor uma ruptura com o academicismo.    

Assim nascia a Semana de Arte Moderna (SAM), causando uma renovação artística e dos valores da cultura brasileira, em busca de uma identidade própria e a favor da liberdade de expressão nas pinturas e esculturas e demais linguagens. Na segunda noite do evento, em meio às vaias do público presente, o escritor Ronald de Carvalho declamou o poema “Os sapos”, de Manuel Bandeira – mas o poeta não participou da semana. O poema ridicularizava diretamente o movimento parnasiano, por ser tão preso às formas.

Chegada a última noite do evento, o maestro e compositor Heitor Villa-Lobos se apresentou de chinelos, e os espectadores acharam que aquilo era proposital, como uma provocação contra a elite, e foi extremamente vaiado. Villa-Lobos defendeu-se, dizendo que estava com calos, esporão ou havia machucado seu pé, mas a justificativa não convenceu a elite raivosa.

O público naquela época entendeu pouco e a crítica demonstrou insatisfação, mas a SAM conquistou importância ao ter as ideias inseridas na vida nacional ao longo do tempo. O movimento cultural tornou-se relevante e um ponto de virada para os paulistanos e brasileiros, que comemoram o centenário do evento em fevereiro de 2022.

Mesmo passado tanto tempo, ainda provocam encanto as mulheres pretas de Di Cavalcanti, a irreverência  da antropofagia de Oswald de Andrade, as cores e as formas de Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Anita Malfatti, entre outros. Destaque para Anita Malfatti, que foi uma das mais importantes artistas plásticas da primeira fase do modernismo. Anita estudou artes e pintura na Alemanha e Estados Unidos. Em 1917, reuniu 53 de suas obras em uma mostra em um casarão no Centro de São Paulo, na “Exposição de Pintura Moderna Anita Malfatti”. A presença dela foi muito importante na Semana de Arte Moderna, pois já trazia o conceito do modernismo há alguns anos.

O modernismo foi considerado por grande parte da sociedade oligárquica como um movimento de degenerados e doentes mentais, mas para os organizadores, o excesso de críticas, por parte do público e da imprensa, era exatamente o que eles precisavam, com o objetivo de chamar muita atenção para as suas propostas artísticas. 

A Semana de Arte Moderna não se limitou ao seu tempo, e continuou reverberando e influenciou outros movimentos de ruptura e renovação, como a bossa nova e o tropicalismo nos anos 1960 e 70, que também causaram estranhamento e vaias.