| Perfil Biográfico Fotógrafo | Heloísa Bortz
| Por José Pedro | 5FN1 FTI 2024-2
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Entrevista com Heloísa Bortz, atualmente com 56 anos, fotógrafa desde 1987, ela já tinha interesse por fotografia antes mesmo de entrar na faculdade e fazia pinturas desde os 13 anos de idade e entrou na faculdade de artes plásticas da USP em 1987 e no segundo semestre começou a ter aulas de fotografia com um professor João Musa. Ela se envolveu tanto com a matéria que resolveu fazer um laboratório com uma colega e começou e passou a realizar outros cursos relacionados no ano seguinte. Desde então, a fotografia nunca mais saiu da vida dela.
José Pedro : O que influenciou você na fotografia? Inspirações, pessoas, filmes, mercado etc.
Heloísa Bortz: “A questão de lidar com o real, eu posso não parecer, mas eu sou muito tímida, a câmera fotográfica, sempre foi uma forma de eu estar nos lugares dentro da minha curtição. Então, eu sempre tô pensando em fotografar. Eu sempre tô pensando em registrar aquilo de alguma forma através da câmera. Tem uma foto minha de criança uns quatro anos de idade, então todos os meus priminhos brincando e eu tô numa escada sentadinha olhando eu acho que ali eu já tinha muito meu olhar de hoje. Eu gosto de me afastar da cena e olhar a cena. E aí eu tenho um encantamento por essa imagem de uma forma geral. “
Qual o equipamento de trabalho utiliza?
“Hoje em dia eu trabalho com câmera Mirrorless, eu trabalho com Sony, eu tenho duas A7R3, porque são câmeras silenciosas e leves, eu primeiro trabalhava com um filme em Nikon, quando eu passei para o digital eu passei para Canon e quando eu passei para Mirrorless, eu passei para Sony e a grande vantagem da miroless e que ela não faz barulho, e eu fotográfo muitos concertos de música erudita.”
Como e/ou onde você começou a sua carreira?
“Eu comecei na faculdade de artes plásticas, depois eu fui para uma escola chamada Focus que eu acho que ainda existe de fotografia. Logo no primeiro semestre na Focus, eu comecei a fazer assistência de aula lá e eu comecei a trabalhar muito cedo. Eu comecei fotografar em 87, e em 88, eu já comecei tanto fazer assistência de aula quanto a trabalhar com fotografia, minha irmã é musicista e no meu primeiro filme, na minha primeira câmera, eu fui fotografa-la num concerto no MASP.
Ela toca trompa e tocava numa Orquestra Jovem e tinha uns amigos solando e aí ela falou: “Ah aproveita para fotografar”, eu mal sabia mexer na câmera, mas daí aquela sorte de principiante de sair um filme saiu bom. E aí foi acontecendo, eu acho que tem muito isso do trabalho também, ele vai acontecendo, eu fazia artes plásticas, eu tinha aula junto com o pessoal da música e o pessoal do teatro era da turma do Matheus Nachtergaele. A gente é contemporâneo. Então eu aproveitava o pessoal do teatro também para fotografar e acabaram me chamando. Aí comecei a fazer foto de de Espetáculo, né? E foi fundo assim até hoje.”
Qual a sua área de atuação?
“Área de atuação principalmente cultura eu faço muito retrato também, trabalhei muito com revista, trabalhei com a Veja São Paulo, com a Capricho, em algumas coisas assim, mas hoje é principalmente cultura e mais assim faço muito programa de Espetáculo. Por exemplo, né para aquele folheto que você recebe no espetáculo antes. Mas é principalmente cultura e retrato.”
Quais os desafios você acredita que o profissional de fotografia pode ter pela frente na atualidade?
“Um dos maiores desafios é ter uma classe muito desunida. Como o trabalhador mesmo. As pessoas têm a ilusão de que fotografia como é digital e como vai por software, ela é fácil e dá pouco trabalho, isso não é verdade. Ela não é fácil, ela exige experiência para você fazer o trabalho e ela dá muito trabalho. Uma ópera que eu faço são, 1500, 2000 fotos e também são 1500, 2009 fotos que eu vou rever, então é muito cansativo, eu trabalho demais, fotógrafo trabalha demais. Ele tem uma dificuldade de reinvestimento porque tudo é muito caro, e uma concorrência muito grande, e muito desunida para se manter no mercado decente.
Hoje em dia a gente tem muita coisa acontecendo como empresas que tem o equipamento e contratam fotógrafos (iniciantes muitas vezes) para trabalhar para eles pagando um salário mínimo, dois salários mínimos e cobrando do cliente direto, então o fotógrafo sozinho não conseguem imprimir o mesmo preço que essa empresa, enfim é uma concorrência muito desleal que tira o mercado do Fotógrafo.
Também tem um exagero de de tratamentos que às vezes as pessoas, no caso do retratista se iludem né? Eu já recebi cliente falando “eu não quero parecer como eu sou”, que é um tipo de tratamento que hoje você tem softwares no próprio TikTok no Instagram que desfoca a pele da pessoa muda, modifica a pessoa deixa ela dentro de uma ilusão. Muitas vezes, quando a pessoa se vê mesmo ela não fica feliz com aquilo e ela quer que você faça um tratamento que não é mágica, então muitas vezes, quantas vezes eu ouço assim: “Ah, é só fazer algumas fotos”, não é nunca só fazer algumas fotos, sempre tem, assim, se eu fizer 700 fotos, eu vou ter trabalho com essas 700 fotos e isso não é contabilizado como serviço. Então o que a gente faz é muito trabalho que não é pago, como é que se chama trabalho que não é pago? Escravidão.
Então isso acontece muito, porque se tem a ilusão de que o digital vai dar um jeito, tirar as imagens do cartão de memória e organizá-las é trabalho, pegar uma foto antiga que o cliente perdeu num HD antigo é trabalho, né? E nem sempre a gente tem o respeito à altura do trabalho que a gente que a gente devolve então a pessoa falar: “me passa os originais”, não, não posso passar os originais. Eu acho que falta uma consciência de tudo que envolve o trabalho, a confecção desse trabalho. A gente se diferencia por estilo, e adquirir estilo, é adquirir maturidade e é trabalhar muito, estudar muito. “Então eu acho que essa é a maior dificuldade, uma compreensão das reais necessidades desse trabalho.”
Tem alguma dica para alguém que tem interesse em começar uma carreira?
“A primeira coisa assim, não acredite. Claro que você tem que estudar, mas não acredite que você entrar no mercado fazendo de graça, vai te garantir no mercado, não vai.
É muito legal você fazer assistência para outros fotógrafos, porque você tem uma dimensão de todos os detalhes que envolvem o fazer, existem inúmeras áreas na fotografia, eu trabalho com cultura tem gente que trabalha com social, tem gente que trabalha com é HardNews, tem gente que trabalha com publicidade então achar afinidade da área que você mais gosta, estudar muito e na hora que entrar no mercado sacar que você precisa fazer preços de mercado porque se você faz preços muito abaixo, porque você está começando você reduz e você rebaixa toda a profissão como um todo.”.
Eu vejo muito quem tá começando a ter colegas ou pessoas de da faculdade etc.
O pessoal jovem começa muito em festa e casamento. E quando eu cheguei a ir a uma, onde ele era meio que um colega do noivo e etc. Eu vi o cara se matando de um lado para o outro e é muito isso. Ele dizia: “Nossa, agora vocês vão ter que vir aqui sim, porque eu vou ter que tirar essa foto aqui”, porque quando é festa, vai ter pessoas diferentes, então tem gente que está lá na festa só para comer e não quer tirar foto, não quer registrar, mas o noivo pediu para tirar foto de todos os convidados. Aí ele tem que ir lá e falar: “Vamos lá tirar foto”.
E então o convidado diz: “Ah, mas eu não quero”, mas é o casamento do cara, tem que ser um pouco mais compreensivo, tirar a foto do jeito que ele tá pedindo então além do trabalho e de ter um material. Porque hoje em dia também tem a questão do celular que tiram fotos boas sim, então se você quer ser um fotógrafo de celular, você tem que tem que pensar muito longe, porque geralmente você vai começar com pouco então um pouco você vai ter vai ser o seu celular até conseguir uma câmera profissional e falar: “olha aqui, a diferença do que eu consigo fazer com o material bom, com uma ferramenta boa”.
Fiz muita festa, primeiro que às vezes por exemplo num casamento, o fotógrafo começa fazendo o dia da noiva. Ele começa ali de manhã a fotografar, ele vai e faz a cerimônia, ele sai da cerimônia, ele vai para a festa e quando chega duas horas da manhã, ele está simplesmente exausto e ele é Tratado de uma forma assim… socialmente muito injusto.
Porque o pessoal fala: “Eu tô pagando para esse cara estar aqui, é caro” e vai ser a única coisa que vai sobrar do casamento, às vezes não sobra nem o casamento, mas sobram as fotos. Então assim eu já vi mesa de festa que a pessoa gastou 15 mil de docinho, mas que não quer gastar 10.000 de fotógrafo e quando chega as duas horas da manhã, não dispensa o fotógrafo porque acha que o cara tem que continuar lá fotografando todo mundo bêbado, porque afinal ela tá pagando, então tem uma coisa de classe, sabe? De te olhar como um serviçal. Eu já fui fazer festa de casamento de gente bacana que eu encontrei aluno que não me cumprimentou, porque ficou vergonha com vergonha de cumprimentar o serviçal, porque te colocar no lugar do garçom e eu também me colocamos no lugar do garçom somos trabalhadores, tanto o garçom, quanto eu, temos que ser bem tratados.
Teve casamento que eu fui fazer que as pessoas não deixaram a gente comer. Deram ali um sanduíche e a gente estava trabalhando desde às 10 horas da manhã para pessoa, e assim, é braçal o serviço, fotografar exaure, exaure as pessoas, hoje na minha idade não conseguiria fazer esse tipo de coisa, evento de empresa a mesma coisa as pessoas acham que estão te pagando muito, mas assim às vezes você tá saindo com um valor de equipamento muito mais alto do que seu carro, por exemplo, você sai com 60.000 reais de equipamento na bolsa e para você oferecer aquele trabalho, você tem que ter aquele 60 pau de equipamento e para você reinvestir tem que vir do trabalho e a pessoa não quer pagar, ela fica puta de te pagar, desculpa o francês.
Mas ela não gosta de pagar esse serviçal porque a gente é visto de uma maneira… enfim eu odeio isso. Acho que lá em casa a gente sempre teve uma educação muito nivelada, então se tinha uma faxineira em casa, ela ia almoçar na mesa e ela ia ser tratada com dignidade, meu pai foi um cara analfabeto até os 14 anos, que era serviçal e sempre fez questão de tratar as pessoas bem. Então isso me incomoda muito porque você vê o recorte de classe e você vê onde a pessoa te coloca quando ela tá te falando. “Enfim, acho que isso é uma das coisas muito difíceis dentro da área.”
Qual fotografia você considera o seu maior e mais importante trabalho?
“Nossa é difícil, aí é bem difícil, mas eu posso dizer assim, sem dúvida, é principalmente trabalho com os projetos sociais de educação, eu fiz durante alguns anos o trabalho dentro de hospital de Periferia fotografando artistas dentro do Hospital. São trabalhos que eu divulgo muito pouco, porque eu não gosto de expor paciente, eu não gosto de expor as pessoas, mas pra que serve qual é a finalidade desse trabalho então se não é para mostrar? É para conseguir patrocínio para trabalho com grandes empresas.
Então foi um trabalho que mudou minha vida, chegar lá em Cidade Tiradentes fotografando UTI, cuidados paliativos, de PS, tanto é que sou amiga de todo mundo daquele projeto, são pessoas que moram na minha casa, que fazem festa na minha casa, e eu acho que esse trabalho que vai dar naquele de jovens músicos periféricos, que me levou depois para o Xingu para fotografar médicos no Xingu. Então acho que esse é um trabalho que se chamava “Música nos hospitais junto com os doutores da Alegria”, que mudou muito a minha relação com a dor do outro.
“Porque retrato tem muito da abordagem, como você aborda aquele sujeito sendo retratado fazendo alguma coisa ou dirigindo, e a minha abordagem mudou muito a parte da li, minha percepção do sofrimento e do momento e do outro.”
Qual trabalho foi o mais difícil de registrar?
“Tem um dia que eu nunca vou esquecer na minha vida dentro dos hospitais que foi um dia que eu cheguei na UTI infantil e ela estava até meio vazia no hospital de Itaquera, ela não estava muito cheia. Eu já peguei aquilo lotado, eu já fazia aquilo há alguns anos já há uns quatro anos e a gente acha que forma uma casca, né? Toda hora tinha alguém que dava uma caída assim porque olhava alguém que parecia ou lembrava uma situação familiar, né?
E foi um dia que eu entrei naquela UTI infantil e todos os casos eram muito graves e todas as pessoas estavam muito abaladas, tinha muita gente, tinha familiares ali acompanhando as crianças tal e foi um dia que eu precisei me esconder atrás da minha câmera, porque eu saquei que meu rosto estava revelando que eu tava muito impressionada, né?
Que eu estava a ponto de chorar explodir, e tinha um garotinho que parecia meu filho que devia ter uns 6, 7 anos na época, esse dia foi muito difícil, teve também na não Oncologia quando eu fui fazer Oncologia pediátrica, quimioterapia infantil que é o lugar que eu acho que é a ante sala do inferno que é o cuidados paliativos infantil. Cuidados paliativos infantil é um dos lugares mais difíceis e a gente vai assim, às vezes você tem que sentir, você tem que se sentir autorizado a fazer as fotos pelas pessoas, e muitas vezes, eu deixei de fazer fotos porque eu não me senti autorizada, porque eu não consegui trocar o olhar e receber da pessoa uma anuência para exercer meu trabalho.
Então essa medida é muito tênue e muito importante de você entender e não dá para dizer, você vai, você pode ser afetado. Mas você não vai para transmitir a sua tristeza, a tristeza que aquilo te abalou. Você tem que ter uma certa… sem perder a compaixão, uma certa leveza não é frieza, é leveza porque você não vai ali para causar mais um problema, né para mostrar para aquelas pessoas que aquela situação está difícil. Tem um dia que também eu nunca esqueci que eu estava em outro hospital e não era o Itaquera, acho que era o Cidade Tiradentes, que tem um corredor que é cheio de janelas.
Então o que eu fazia os músicos vinha tocando eu corria para a outra ponta das janelas, porque eles iam receber essa luz, quando eu cheguei na outra ponta eu comecei a sentir um cheiro muito ruim e a porta do quarto que tava lá, eu olhei ele estava inteiro de secreção humana ali e a pessoa tinha tido uma diarréia ali no quarto, e estava as moças limpando e os meninos vieram tocando Anunciação do Alceu Valença e me deu aquele constrangimento do tipo: “Putz, eles estão cantando Anunciação do Alceu e essas pessoas aqui”, você imagina aquele paciente no pior dia dele.
Aquela mulher fazendo aquele trabalho que assim cara ela tá limpando merda no chão e ela vai sair daqui pegar um busão para casa num lugar difícil, elas saíram pela porta sorrindo, alegre, felizes, mudou todo o clima daquele quarto com os meninos passando, sabe? Aí eu senti a dimensão daquele trabalho, assim porque ele não é só sobre os pacientes, não é só pra família dos pacientes, é para quem trabalha também, quem faz o trabalho muito difícil. Então tem todas essas cenas que vão me acompanhar por resto da vida.
Deseja acrescentar algo que não perguntei?
“Deixa eu pensar….. acho que a respeito de quem está começando na área, é difícil, mas eu não consigo imaginar minha vida sem fazer isso, mesmo tendo um diploma em direito e amando muito direito gosto pode ser feito com a lei com o entendimento da Lei na sociedade, eu acho que a fotografia ela tem um papel muito importante dentro da sociedade mesmo ela sendo tão banalizada hoje por causa da fotografia do celular e tudo mais e a gente sente isso quando a gente entrega um trabalho bem feito, né?
É que as pessoas gostem que, enfim as pessoas identifiquem ali o teu estilo atual forma de olhar o mundo, né? É fotografar é um jeito de ver o mundo. Eu tenho uma colega que fala que “a gente não tira foto a gente põe imagem no mundo” que a partir do recorte que você dá você faz as pessoas olharem aquele assunto aquela pessoa aquele lugar de uma forma particular, você convida a pessoa dividir o mundo com você de uma forma própria, eu acho que essa prática é muito interessante para a humanidade, a gente faz registro sobre quem somos sobre como nos socializamos no meu caso que faz cultura. Como a cultura exercida dentro de uma cidade como São Paulo, né em várias esferas assim, é um trabalho que vale a pena ser feito e que eu espero que tenha o respeito e a dignidade dentro da sociedade que ele merece. Façam, continuem!”
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