“Literatura para mim é a curtição da linguagem. Um jogo espiritual e erótico com o mundo das palavras. ”

por Vanessa Rocha/AES
Apaixonado pela cidade de Santos, o escritor, poeta e crítico literário Flávio Viegas Amoreira, 54 anos, passou a vida inteira no bairro do Boqueirão. Atualmente ele divide a sua morada entre a cidade de Santos e a capital, São Paulo em razão dos seus vários trabalhos e projetos. Inclusive, ele é colaborador há mais de vinte anos do principal jornal daqui da região, o Jornal A Tribuna, escrevendo para o jornal temas variados como: a luta ecológica, a história de santos, entre outros assuntos, no que ele chama de “ensaios jornalísticos”.
 
Leitor voraz de jornais, desde os 12, 13 anos, o autor considera alguns nomes de grande importância para o jornalismo brasileiro como Paulo Francis, Ignácio de Loyola Brandão, Nelson Rodrigues e Raquel Queiroz.
 
Flávio começou a escrever ainda na adolescência, editando seu primeiro livro aos treze anos. Até hoje ele já editou quinze livros. Algumas das suas obras publicadas são Edoardo, o Ele de Nós, A Biblioteca Submergida, Contogramas, O Vazio Refletido na Luz do Nada, entre outras.
 
O seu entusiasmo pela literatura explicita-se não só na sua escrita, mas também na sua forma de se expressar. O autor foi entrevistado nas dependências da Estação da Cidadania de Santos onde ele leciona aulas da oficina literária: Como se Tornar um Escritor, todas às quintas-feiras das 19:00 às 21:30. Confira abaixo a entrevista na íntegra.
 
Quando você começou a se interessar pela literatura?
Desde sempre, eu acho que é uma questão de genética. Desde os cinco, seis anos eu penso como quem escreve, eu escrevo como quem pensa, então eu sempre elaborei a minha imaginação, a minha imagética de uma forma literária até inconscientemente. Na verdade, eu sou poeta, também exerço a função de jornalista, cronista, mas tudo isso enfeixa, encaixa numa coisa só: escritor. Então aos catorzes, quinze anos eu comecei a esboçar os primeiros versos, poemas, ler de maneira incessante de maneira insana e prazerosa.
 
E você teve alguém próximo, um parente ou um professor que te incentivou?
Não. Não foi ninguém que me incentivou, nem parente, eu quando eu percebi a minha vocação, o meu desejo, a minha compulsão pelo hábito da escrita eu me encaminhei para pessoas que tinham interesse e uma trajetória de vida também ligada à literatura. Então por incrível que pareça para citar uma pessoa só, já aos doze, treze anos eu tinha um grande mestre, o filho dos maiores poetas brasileiros, o filho do Vicente de Carvalho, aqui em Santos, ele foi meu primeiro grande interlocutor sobre questão de literatura, vida, história e humanidades.
 
E você lembra qual o primeiro livro que você leu?
O primeiro livro foi História do mundo e Geografia do mundo para crianças de Monteiro Lobato. Já é quase um clichê no Brasil, as crianças se introduzirem no universo literário através do Monteiro Lobato. Mas o primeiro livro adulto, que me impactou foi A metamorfose de Franz Kafka, que voltou à moda agora, em função da estupidez do nosso querido Ministro da Educação, Franz Kafka, não é de comer, é de ler. Então A metamorfose de Franz Kafka foi o meu primeiro livro, digamos conscientemente literário adulto aos catorze anos.
 
Você começou a ler quando criança, conforme você foi crescendo e amadurecendo, o seu gosto literário mudou ou se manteve o mesmo?
Eu acho que mudou. Eu sempre tive o interesse múltiplo por todas as áreas de conhecimento humano, mas eu me encaminhei mais da história para a literatura, da história para a ficção. Porém, a mutação maior foi eu me interessar principalmente por romance, poesia, e filosofia, Mitch. A história e a filosofia que foram me encaminhando para a literatura adulta, dos mestres da literatura adulta da prosa e da poesia.
 
Qual seu autor predileto?
Pergunta difícil, mas eu vou marcar um só. É Oscar Wilde, poeta irlandês.
 
E qual livro te emocionou mais?
O livro que mais me emocionou foi de um quase contemporâneo do Oscar Wilde, um francês, Os Frutos da terra de André Gide. André Gide que foi prêmio Nobel de Literatura creio eu em 49 ou 50.
 
E qual das suas obras você gosta mais?
O mais recente, Pessoa doutra margem. Um poema longo dedicado à Fernando Pessoa. O que eu gosto mais é sempre o mais recente, é o que eu estou divulgando, é o que eu acabei de namorar, quer dizer a namorar o texto, a namorar o poema, é nesse jogo quase erótico de ligação com a palavra escrita. Literatura para mim é a curtição da linguagem. Um jogo espiritual e erótico com o mundo das palavras.
 
E como você se tornou crítico literário?
O crítico literário nasce da necessidade de você ler os outros, ler os mestres. É conhecer de maneira mais organizada as técnicas. É quase que um ato natural de um leitor voraz, de um escritor persistente e que tem interesse por um universo vasto da literatura. O crítico literário nasceu do estudioso de métodos, técnicas e elaborações de textos. O crítico nasce do apaixonado pela literatura. A crítica é filha da paixão pela literatura.
 
É possível viver da literatura no Brasil?
Uma pergunta boa e sempre inevitável. Viver financeiramente não, mas viver prazerosamente sim. É possível viver para a literatura, mas não da literatura. Ou seja, ter a vida toda focada, abdicando de luxo, carro do ano, shopping, consumismo, abdicando de muita coisa pela paixão por algo muito maior que é a arte, que é a literatura. Viver da literatura é impossível em qualquer país do mundo, não só no Brasil. Em quase todos os países do mundo é muito difícil. Agora viver para a literatura para mim é um ato de prazer infinito. Mas é possível viver de questões e habilidades próximas à literatura, como colaboração de jornalismo, palestras, oficinas literárias, aula, tradução, apresentações performáticas. Então é possível viver de questões próximas à literatura, agora da vendagem, não.
 
Você já quis mudar de cidade?
Eu já quis, mas com o surgimento da internet tornou-se desnecessário o deslocamento. Eu posso ser escritor nas Ilhas Fiji, na Tanzânia, no deserto do Saara, tendo acesso à internet eu sou um autor, um escritor global, eu sou um autor cosmopolita, internacionalista de maneira que é indiferente aonde eu vivo.
 
E o que a cidade de Santos inspira para você?
Santos me inspirou muito pela ancestralidade de cultura, pela sua história de vanguarda, pela sua tradição literária com escritores importantes como Plínio Marcos, poetas como Vicente de Carvalho, Martins Fontes, Rui Ribeiro Couto, de maneira que ser santista é ser cosmopolita, é ter o compromisso com o sentimento atlântico do mundo, uma cidade disposta para o planeta através das águas dos oceanos que nos conduzem. E também tem essa proximidade com a cidade de São Paulo, uma metrópole que é umas das cidades mais efervescentes do planeta. Então, tornou-se cômodo, eu vivo a tranquilidade de Santos, o bucolismo de Santos, o charme de santos, do litoral paulista, tendo a proximidade com São Paulo beneficiando a minha difusão literária.
 
Por que você decidiu dá aulas? Há quanto tempo você dá aulas?
Cinco, seis anos porque eu me preparei para isso. Não de maneira convencional, não são aulas acadêmicas, são oficinas literárias que eu já venho moldando, organizando mentalmente e literariamente e que por acúmulo de conhecimento eu me senti necessitado de expelir quase como um vulcão de exteriorizar o conhecimento acumulado das técnicas de redação, formatação de texto, edição, editoração, reconhecimento de gêneros literários como poesia e prosa e definição de novos modos de literatura em tempos pós- modernos.
 
O que te motiva a dar aulas nas oficinas literárias?
O que me motiva é uma paixão exorbitante de compartilhar a aventura, a alegria de descobrir novos talentos e também uma forma de manter acesa a chama pelo interesse literário. Mas o que me motiva mesmo é a prática, que a gente chama de Praxis, a Praxis literária, eu aprendo tanto quanto os alunos ouvindo as minhas aulas, as minhas trocas, a nossa retroalimentação aluno-professor. Na verdade, ensinando eu me mantenho atualizado sobre novos autores e revisito os clássicos, então é uma forma também de turbinar.