Javier começa antes dele mesmo

por Agência Esamc Santos

A história e uma das maiores influências de quem Javier Arancibia Contreras veio a se tornar, começa antes dele mesmo. Começa realmente em 1975, durante a ditadura chilena, onde Fernando Arancibia, seu pai, é mantido em uma ilha prisão. Graças à ajuda de um amigo, anônimo nessa história, Fernando consegue escapar da ilha e foge para o Brasil com a esposa, Celinda Contreras, e os filhos.

Um ano depois é que Javier vem a nascer na cidade de Salvador, na Bahia. Ele passa a maior parte da infância se mudando como consequência do trabalho do pai. Contou na entrevista que grande parte da sua infância, a família se revezava entre as praias de Salvador e o verde da vida no interior do Paraná, gerando nele uma conexão com a natureza. Durante a entrevista se torna cada vez mais notável como ser um brasileiro numa família de chilenos estando frequentemente de mudança é uma marca no escritor. Não que essa marca seja propriamente ruim.

Em 1985, aos nove anos, toda a família se muda para o Iraque. Na época, o país ​estava no meio de uma ​​guerra​​ com​​ o ​​Irã. Eles moravam em pequena vila de brasileiros, visitando ocasionalmente as cidades vizinhas. A falta de lazer levou os moradores a improvisarem uma pequena biblioteca e é ali que Javier tem seu primeiro contato verdadeiro com a literatura. Num país sobre a sombra da morte, nasceu algo dentro de Javier que cresceu com os anos. Depois de três anos e meio no Iraque, a família retorna ao Brasil. Javier havia tomado gosto pela leitura, com a idade que o tempo lhe proporcionou, ele começou a escrever contos. Dos quais admitiu nunca ter achado que eram ​bons de verdade. Por volta dos dezesseis anos, Javier decidiu se tornar jornalista. Decisão que hoje ele atribui a um desejo inconsciente de ganhar a vida escrevendo. ​​E ​de ​​fato​, ​ele ​​se ​​forma​ ​no curso de ​jornalismo​​ no fim de 1999, o levando a escrever seu primeiro livro.

Como trabalho de conclusão de curso, Javier e mais dois estudantes — Vinicius Pinheiro e Fred Maia — escreveram um livro reportagem sobre Plínio Marcos. Os três rapazes apenas conheciam-o por seu trabalho no teatro, mas a pesquisa realizada para o TCC e o material disponibilizado pelo próprio Plínio, pouco antes de sua morte, apresentou inúmeros feitos para contar. Feitos muito parecidos com de Javier hoje.

Após a faculdade, ele trabalhou muitos anos como repórter policial na grade São Paulo. Numa entrevista para o Jornal Rascunho, ele contou como esse trabalho mudou suas perspectivas sobre as pessoas, influenciando também seus personagens. O primeiro romance, Imobilie, publicado em 2008 pela editora 7letras, foi escrito durante a maior parte do tempo que trabalhou como repórter. O então iniciante explica porque escolheu o romance e mais ainda, sua preferência pela prosa longa. Seu romance de estreia foi largamente elogiado, sendo indicado para o Prêmio São Paulo de Literatura naquele mesmo ano. Seu segundo livro, O dia em que eu deveria ter morrido, publicado pela Terceiro Nome (2011), causou uma forte impressão e marcou o início de uma ascensão na carreira do jovem escritor.

Em 2012, a Revista Granta, da Inglaterra, estava montando uma nova edição de Os vinte melhores jovens escritores, mas dessa vez era voltada para os brasileiros. Uma enorme tensão foi criada na época envolta dos vinte nomes escolhidos. Naturalmente Javier estava entre eles, com dois contos apresentados, Febre do Ratoe Faísca.

Atualmente, o já consagrado escritor tem sua própria livraria, no Guarujá, mora em Santos e é pai de duas meninas. Esse ano, ele lançou mais um livro, desta vez pela Companhia das Letras. Soy loco por ti, Américavem como uma homenagem do autor para a América Latina. O livro conta a história de quatro personagens de diferentes partes da América do Sul. As histórias e seus figurantes levam muitos traços de Javier.

Uma das cenas narradas é, inclusive, um retrato da fuga de seu pai da ilha prisão. Nesta entrevista, Javier definiu seu último livro como a busca pela identidade Latino Americana, algo que ele diz lhe ter sido negado pela criação no Brasil. Essa última obra foi indicada para o Prêmio São Paulo de Literatura 2017 e para oPrêmio Jabuti, este último considerado o mais importante prêmio para a literatura brasileira contemporânea.

Além de todas as lembranças contadas, o escritor ainda comenta possíveis trabalhos futuros. Javier tem por vocação contar histórias, mas a sua própria, talvez, não tenha sido explorada como deveria.

Você é um brasileiro de uma família de chilenos,​​ como ​​foi​​ encontrar​​ sua​​própria​​ identidade​​ no ​​meio ​​disso?

Esse meu último livro fala bem disso, na verdade. ​Soy Loco por ti, America te um pouco desse sentimento de busca por uma identidade latina americana perdida.

Eu sou chileno de origem, mas eu não nasci no Chile. Então durante muito tempo eu me questionava brincando, o que teria acontecido se meu pai não tivesse vindo pro Brasil devido à ditadura?

Meu pai foi preso, na época da ditadura militar chilena numa ilha prisão, mas não foi preso político e logo conseguiu escapar, por causa de um amigo. Veio para o Brasil em 1975, eu nasci em 1976. Então eu ficava com isso na cabeça. Será que eu teria nascido? E se meu pai tivesse morrido? Ou se não houvesse a ditadura, talvez eu tivesse nascido lá, teria uma vida completamente diferente.

Particularmente, essa questão de origem, de raiz, é bem complexa pra mim. As vezes eu to aqui no Brasil, moro aqui a vida inteira, e tenho uma certa dificuldade de adaptação. Moro em Santos há bastante tempo, mas até a adolescência eu rodei bastante antes de estacionar aqui. Agora eu me sinto em casa. É uma sensação diferente. Quando eu vou ao Chile eu também me sinto em casa e é engraçado por que eu nunca morei lá. Tenho essa sensação, não sei, é esquisito mesmo. Uma coisa meio espiritual, sei lá.

Então esse livro, as histórias falam exatamente sobre isso. De alguma forma ele tenta entender um pouco dessa identidade latina americana que nós brasileiros não temos. Principalmente eu enquanto filho de chilenos, não tive a oportunidade de ter vivido lá. É um ponto de vista de ​​fora, ​mas ​​com​​ um​​sentimento ​​bem​​ genuíno.

Seus pais saíram do Chile por causa da ditadura, você nasceu na ditadura. Quando você vê alguém dizendo que quer a ditadura nos dias de hoje, o que te vem na cabeça? O que você tem vontade de dizer para essas ​​pessoas?

Na verdade acho que eles nem pensam direito. Não tem um embasamento teórico para falar isso. Se for uma pessoa mais velha que passou por isso, a gente dá um desconto e tenta entender. Agora, eu acho que a maioria das pessoas que pediram isso, que foram em manifestações pedindo a volta da ditadura, não tem muita noção sobre o que foi ou o que significou, não só no Brasil, mas em todos os países onde houve ditaduras.

Falando aqui da nossa praia, da America Latina. Passamos por ditaduras duríssimas, houve muitas mortes, ​​muita​​ repressão, de ​​todos​​ não​​ só​​ aos​​ artistas,​​ mas a​​ população também.

Não faz sentido na verdade. Acho que as pessoas estão muito desgostosas com a nossa democracia atual. Nossa democracia foi golpeada e nesses últimos dois anos, é uma democracia corrompida. Talvez isso esteja fazendo as​​pessoas ​​jogarem​​ no ​​ar ​​opiniões ​​não ​​tão​​ embasadas ​​como ​​deveriam ​​ser.

Quando você era jovem morou no Iraque por causa do trabalho do seu pai. Como era ser pré-adolescente, que é uma idade super conturbada, morando em um ​​país​ que estava​ guerra?

Isso foi bastante interessante. Eu acho que talvez, isso tenha sido um ponto de partida para essa minha trajetória enquanto escritor, porque fui morar no Iraque com 9 anos. Dos 9 aos 12 anos. Nessa época eu transitei muito entre Salvador (BA) e interior do Paraná. Então ou era vida de praia ou era vida do interior, de mato mesmo. Então passei minha infância bastante ligado a natureza, bem criança mesmo.

Quando fomos para lá, era uma vila de brasileiros, não tinha muito o que fazer. Tinham casas, uma escola brasileira e tinha um mercadinho. A gente, eventualmente, podia sair dali para algumas cidades próximas, mas não havia lazer, não havia nada. A não ser as amizades que se fazia. Mesmo continuando tendo uma infância bacana e diferente, como não se tinha muita coisa a se fazer criou-se uma pequena biblioteca. Ficava em um trailer no acampamento, na vila. E a partir daí comecei a ler meus primeiro livros, fora os livros escolares. Ler livros por conta própria.

Foi isso, essa fase do Iraque, de isolamento, uma fase mais introspectiva dessa pré-adolescência. Não foi uma pré-adolescência comum, foi bastante diferente. Então os três anos e meio que eu morei lá me fez ter esse gosto pela leitura, esse embasamento literário que acabou se seguindo na adolescência propriamente​​ dita​​ e​​ na ​​juventude.

Você já disse que o livro, O Estrangeiro, de Camus, mudou a sua vida. Como foi isso?

Foi o grande livro da minha juventude na verdade. Eu li esse livro com dezesseis, dezessete anos. Um livro super fininho tem cento e poucas páginas. Super simples de ler, apesar de ser escrito por um autor que é bastante conhecido por ser filosófico e existencialista ao extremo, da mesma turma do Sartre. O estrangeiroeu considero o livro mais fácil de ler e talvez o mais ​​profundo, ​​de​ repente​​ por​​ essa​ própria​​ simplicidade​​ ​do​ texto. ​

O livro é um homem no limite, no limite da incompreensão da existência. A história é bastante simples, começa ele no velório da própria mãe e ele não consegue ter sentimentos. Ele tem sono, ele tem vontade de tomar um café, ele não se sente triste e isso faz todos da cidade considerar ele um monstro. A história acaba se desenrolando, mas é incrível por que é aquela coisa, se você mostra as suas emoções, você pode ser execrado pela sociedade. O livro fala basicamente disso. Desse estranhamento de uma situação perante a sociedade.

Que momento você parou e percebeu que ser escritor é o que iria te realizar?

Gostar de ler eu sempre gostei. Sempre não, na verdade eu comecei a tomar gosto pela leitura mais pela adolescência. Minha infância não teve nada de eu ser um super leitor, nada disso. Minha trajetória enquanto ​​leitor ​​foi ​​mais ​ ​na pré-adolescência ​​para​​ adolescência.

Eu gostava de ler. Gostava de contar histórias para amigos que também liam. Talvez nessa idade com dezesseis, quando resolvi fazer jornalismo, que foi uma forma, talvez inconsciente, de ganhar a vida escrevendo.

Foi nessa fase. Na fase da universidade, de fazer o livro do Plínio e gostar, de ver que é possível. De compreender mais a vida com o trabalho enquanto repórter de rua. Trabalhei bastante tempo como repórter policial.

Essa experiência toda acaba me fazendo ter vontade de escrever algo. Já tinha escrito alguns contos com dezessete, dezoito anos, algumas coisas que realmente não eram muito boas e aí com vinte e pouquinho eu comecei a escrever um romance. E publiquei ele com vinte e oito, algo assim.

Sobre seu livro reportagem, sobre o Plínio Marcos, ele também era santista, também era repórter, também era escritor. Eu queria saber se foram​​ as ​​semelhanças​​ que ​​te​​ levaram ​​a ​​escrever ​ sobre​​ ​ele?

Na verdade foi uma grande coincidência. Não foi nada proposital. Eu estava sem tema para fazer o trabalho de conclusão de curso. E na verdade não foi nem idéia minha. Esse livro foi escrito por mais dois, éramos três estudantes de jornalismo.

O Plínio na época escrevia para um jornal de Santos, que era o Jornal da Orla. Acho que ainda existe. Eu o conhecia pelo teatro, não pelo trabalho de jornalismo, nada disso. E aí meu amigo comentou “caramba​ o Plínio Marcos está escrevendo para um jornal em santos”. Não me lembro nem quem foi, acho que foi esse mesmo amigo Vinicius Pinheiro que é jornalista e hoje é escritor também. E o Vinicius percebeu que o Plínio Marcos mesmo sendo um grande nome no teatro, nos anos 60 e 70, ele tinha uma grande dificuldade de encontrar veículos que o aceitassem. Por que ele foi um artista muito censurado no final dos anos 50, anos 60 e anos 70. Isso me deixou curioso. A gente foi a fundo, e investigando nós descobrimos que ele já tinha escrito para a Folha, para Veja. Para um monte de jornal, para o Pasquim, para vários jornais ​ ​importantes, ​​mas​​ ele​​ estava​​ meio ​​esquecido.

Na verdade Plínio marcos sempre foi um artista marginalizado. Desde a época do teatro, apesar de suas peças terem feito muito sucesso, ele sempre esteve à margem do sucesso e do dinheiro. Isso nos interessou. Enquanto artista santista e enquanto jornalista. Isso nos interessou porque queríamos focar na crônica. Acabamos descobrindo um grande cronista daqui da cidade que ainda estava​​ vivo.

Na ​​época​​ em que escreveu o livro reportagem você​​ ainda ​​morava ​em Santos?

Sim, morava em santos. A gente consolidou esse TCC em um ano. Só que ainda estava incompleto quando o Plínio morreu no fim do ano, em 1999. Não chegou a escrever a nossa crônica de abertura. Ele ia escrever uma crônica inédita pro livro, mas a gente chegou a entrevistá-lo, fomos na casa dele. Ele entregou todo material que a gente utilizou pro livro, de alguma forma ele soube que o livro ficou pronto. No entanto o livro só foi publicado em 2002. A gente teve que refazer umas entrevistas e fazer novas entrevistas. E realmente consolidar o livro​​ da ​​forma​ que ​​ele​​ acabou​​ se ​​consolidando.

Você acha que acabou virando uma espécie de homenagem como foi publicado ​​só após​​ a ​​morte do Plínio?​ Ou​ era ​ ​algo​​ mais​​ biográfico​​ mesmo?​

A gente ficou muito envolvido com ele e a obra dele nessa época. Por que teve um fato muito interessante. Quando nós decidimos fazer esse trabalho, nós fomos consultá-lo, pra saber se poderia nos ceder algo porque eram veículos muito antigos. A gente precisava de um ponto de partida. E a mulher dele tinha arquivado centenas de crônicas, recortes de jornal, crônicas datilografadas e tal, e ele em uma atitude de confiança e desapego total nos deu todo o material dele pra fazer esse livro. Então a gente meio que se envolveu emocionalmente, talvez um pouco de mais. Pretendia-se que fosse jornalístico e continuou sendo, mas com um pezinho no emocional sim. Pode ser​​ que ​​seja​​ nossa ​​homenagem​​ sim. ​Já​​ passou​​ tanto​​ tempo.

De ​​todos​​ os ​​gêneros,​ porque​ romance?

Todo mundo de uma forma ou de outra acaba começando pelo conto. Que é a forma, eu não digo mais fácil por que escrever um conto hoje eu acho super difícil, mas talvez seja a forma mais simples de você se expressar. É um fôlego curto, digamos assim. Um conto pode ter uma, duas, quatro, dez páginas. Um romance você tem que ter acima de noventa, cem páginas. E eu não gostava dos meus contos, a verdade é essa. Eu não achava que eles tinham a profundidade que eu queria ter pra os meus escritos. E aí eu experimentei a prosa​​ longa,​​ o​ romance.​ ​​E ​​gostei. Me​ achei ​​​capaz​​ de ​​fazer​​ aquilo, ​​de​ escrever. ​

Eu tenho vontade de escrever um livro de contos, está nos meus projetos futuros. Eu to com uma idéia já bastante elaborada de temática e tal. Não vai ser agora, mas está planejado sim. Eu não me considero um contista. Me considero​​ mesmo ​​um ​​romancista.

Eu li em um site, não me lembro agora o nome, sobre seu texto “Febre do rato” publicado na Granta, no meio de 2012. Era uma espécie de transcrição de uma conversa, muito interessante de um homem e uma mulher. E no caso o homem não tinha gostado do seu texto, ele dizia que tinha situações que você usava palavras muito rebuscadas, tinha outras explicações. Você costuma ler as críticas ou esse tipo de coisa?

Não tenho problema com crítica não na verdade. Eu até leio, mas não sou de ficar cavoucando a crítica, procurando. No momento do lançamento de um livro, nesse caso foi uma coletânea de contos, que teve bastante repercussão eu leio. O que aparece eu leio. Eu não posso ficar me pautando por crítica. Eu aceito a critica e se o cara achou aquilo tudo bem. O papel do crítico é avaliar de forma crítica. Como diz a própria função.

O problema da crítica é que às vezes você lê uma coisa e parece que o cara leva pro lado pessoal. Parece que ele nem ta criticando a obra e sim que ele ta falando de você. Essas críticas ​​eu ​​ignoro. ​​Não​​ tem​​ o ​​que ​​fazer.​​ Não ​​me ​​influencio ​​por​​ nenhuma​​ crítica.

Nessa mesma transcrição que eu tava lendo, no final, mesmo o homem dizendo que não tinha gostado do conto, ele dizia que por você ter sido publicado na Granta então merecia uma segunda chance. Ele iria atrás de alguma obra que você já tinha publicado. O que você acha de toda essa responsabilidade “de ser tão bom” que é creditada á você por esse ​​tipo ​ de​​ coisa,​​ como​​ ter​ ​​sido​ publicado ​​​na​​ Granta?

Só pra contextualizar. Essa Granta teve muita repercussão, muito mistério por cima dos nomes que iam compor essa publicação. A Granta já tinha feito várias seleções de escritores americanos, ingleses e espanhóis e essa do Brasil era novidade. O Brasil estava num momento único, né? Em 2012 o Brasil estava com uma super economia e o lula bombando​ no mundo. O interesse pelo Brasil era muito grande. Tanto que o Brasil foi até homenageado na feira de Frankfurt, que era a maior feira literária do mundo no ano seguinte. Inclusive muitos nomes da Granta foram convidados. A expectativa​​ da ​​crítica ​​literária ​​em​​ cima​​ desses​​ nomes​​ era​​ muito​​ grande.

Até então eu tinha um livro reportagem sobre o Plínio Marcos e tinha um romance (Imobile), bastante obscuro. Que tinha sido indicado para o Prêmio São Paulo de Literatura, mas eu era praticamente um iniciante. Era um concurso. Você enviava um conto, seu portfólio do que já havia publicado e eles​​ escolhiam ​​vinte​​ nomes.​​

Pra minha surpresa um dia eu recebi um telefonema do editor da Alfaguara, Marcelo Ferroni, me parabenizando. O lançamento foi na Flip, onde se revelaram os nomes ali numa coletiva de imprensa. Todos foram convidados, teve uma mega festa. Depois desse ​oba oba todo, a gente realmente sentiu o peso de que o próximo livro era meio que para provar a sua qualidade enquanto escritor. Óbvio que você enquanto artista não deve nada a ninguém, deve somente a si mesmo, mas óbvio que você após ter sido considerado por um seleto grupo de críticos, um dos vinte melhores jovens escritores do Brasil, de alguma forma você tem que corresponder mesmo que inconscientemente.

Tanto que esse meu próximo livro demorou demais pra sair, eu já estava com um engatilhado, na verdade o outro (O Dia em que eu devia ter morrido) tinha saído um pouco antes​​ da ​​Granta.​​ E​​ aí ​​eu​​ demorei​​ quase​​ quatro ​​anos ​​para ​​publicar.

Na ​​época​ ​da ​​Granta ​​o ​ ​que​ repercutiu ​ ​​para você ​​​foi​​ o ​​peso ​​para ​​o ​​próximo?

É como eu te disse. O peso do próximo tava ali. Pessoalmente acho que todos sentiram isso. Teve algumas pessoas que não lançaram livros após, alguns já tinham livros engatilhados e alguns já tinham uma carreira já estabelecida. Não sei se algumas pessoas sentiram esse peso ao ponto de não conseguir lançar alguma coisa. Eu falo por mim. Eu senti esse peso, mas nada que me fizesse parar e ficar pensando na repercussão. Não foi de uma forma mais leve, mais como ​​uma ​​responsabilidade​​ para ​​mim​​ mesmo.

Dos seus três romances qual você acha que mais te satisfaz, que quando você​​ terminou​​ você ​ parou​​ e​ ​pensou​ “esse foi um trabalho bem feito, que eu me orgulho de verdade”. Acredito que todos, mas aquele que mais te​​ deu orgulho mesmo?

Eu acho que sempre o último. O último é sempre o melhor eu acho. Talvez o primeiro, que é sua estreia, o início de tudo. É aquele que você se dedicou muitas vezes anos para escrever. Por que você não consegue terminar por querer deixá-lo o mais perfeito possível. É uma estreia, né? O mais importante pra mim é sempre o primeiro e o último a ser publicado. No caso esse último, ​Soy Loco por ti, America​, levou quatro anos para escrever, finalizar, editar e publicar. Deu bastante trabalho. Foi um livro maior do que os outros. ​​Esse ​​último ​​me​​ deixou ​​bastante​​ satisfeito.

A maioria dos seus personagens são mais conturbados mentalmente do que a maioria das pessoas. Você gosta de brincar com a loucura mesmo ou​​ gosta​​ de​​ psicologia​​, ​​algo​​ do​​ tipo?

Eu acho que na verdade todo mundo tem a sua loucura, os seus questionamentos. A verdade é que muita gente não coloca pra fora esse sentimento. Todo mundo tem seus dilemas, seus questionamentos, suas dúvidas, suas rebeldias, só que o engessamento do dia a dia acaba travando um​​ pouco​​ essa ​​forma ​​de​​ comunicação.

E os meus personagens estão no limite. Realmente acho que todos eles estão no limite da impossibilidade de se viver socialmente. Eles estão sempre em conflito. Acho que toda obra você tem que ter um narrador em conflito, personagens em conflito. É a partir daí que gera uma narrativa mais recorrente disso​​ tudo.

Você ministrou uma oficina de contos na livraria Realejo. Você já teve ou tem alguma​​ pretensão​​ de ​​dar​​ aula​​ ou ​​algo ​​nesse​​ sentido?

Já recebi um ou outro convite nesse sentido, mas não. Geralmente eu recuso. Eu acho que não tenho muito trejeito para dar curso. Eu sou mais dos bastidores mesmo. Eu estou elaborando, junto com um amigo, uma agência de edição. Para trabalhar com jovens autores, mas autores que já tenham material escrito. Não uma oficina de criação por  exemplo. Uma coisa já produzida e um trabalho mais de edição profissional mesmo.

Esse é o caminho que eu me identifico mais. De estar ali com o texto vivo e estar mexendo nele, dando dicas, tentando entender a narrativa, mais do que em um curso de criação falando​​ de​​mais​​ e​​ produzindo ​​de​​ menos.