“E no momento em que eu quis que ela ficasse, ela partiu”

por Ellen Reginato

“E no momento que eu quis que ela ficasse, ela partiu”

A dor de perder alguém comove o coração de todos, e esse sofrimento é capaz de afetar o indivíduo de diferentes formas. Alguns sentem como se o mundo acabasse ali, as esperanças se vão e um novo recomeço parece distante da realidade. Muitos acabam carregando esse sentimento por longos anos devido ao fato de não ter dito que amava, ou que não houve tempo para se redimir e pedir perdão; ou carrega consigo o arrependimento de não ter aproveitado o momento presente. Anos podem se passar, o tempo pode até aquietar a dor, mas a saudade eterniza; as lembranças e a história construídas jamais são apagadas.

Daniele Veríssimo, 34, entende com propriedade como é não poder se despedir da sua filha tão amada. Após 18 anos desde quando tudo aconteceu, ela abre seu coração para falar sobre como enfrentou a morte da sua bebê de 2 anos devido a erros médicos; como superou o luto do falecimento sendo ainda tão jovem; como se sente realizada com a família que construiu e contentamento para ter seguido em frente, além de dar conselhos para mães jovens em como lidar com a gravidez. Confira a seguir a entrevista:

Para você, o que realmente é maternidade?

Maternidade para mim foi um encontro de um amor incondicional. De uma mãe com o filho. Porque você só aprende o amor verdadeiro através da maternidade.

Qual foi o maior aprendizado que você ganhou ao receber o título de mãe e o maior desafio?

Como eu engravidei muito jovem, o maior desafio foi em como eu iria lidar com a gravidez, com a idade que eu tinha de 14 anos, eu estava acostumada a brincar de boneca e essa era a minha realidade. Mas saber cuidar foi uma dificuldade, porque eu tive que aprender tudo sozinha, dar de mamar, ensinar. E o maior aprendizado que eu tive ao ser mãe foi aprender a amar incondicionalmente.

Como você se sente sabendo que construiu uma grande família, com três filhas?

Feliz, realizada, e que valeu a pena! Tudo o que eu vivi na minha vida valeu a pena. Apesar de eu ter sido uma mãe tão nova, eu tinha tudo para ser destruída. Mas eu tive a oportunidade de conseguir construir minha família, com minhas três filhas. E hoje, uma delas tem 15 anos, nessa idade eu já era mãe, então me sinto realizada em vê-la construindo outra realidade de vida.

Você acredita que ter um filho é somente dar amor ou envolve outras questões?

Ah, envolve outras questões como educação, ensinamentos, princípios, caráter. Envolve muito mais do que só o amor. O amor ele é o que complementa tudo isso, e se você dá o amor, você vai conseguir dar uma boa educação, um bom caráter à criança, uma excelente vida através disso.

Sobre a sua primeira gravidez, o que mais te deixou com medo? Como foi a reação quando descobriu que era uma menina?

A reação de quando eu descobri que era uma menina foi de extrema alegria, mas também acabou sendo muito desafiador devido à minha idade, me deu muito medo, e por eu ser tão nova acabou envolvendo muitas outras pessoas nisso tudo.

A reação das pessoas quando descobriram que estava grávida aos 14 anos te deixou mais assustada ou você preferiu não dar atenção?

Com certeza me deixou mais assustada. Eu tentei seguir em frente! Havia muita pressão, preconceito, eu era jovem demais, e uma menina com tanta vida pela frente, definitivamente era o que eu mais ouvia das pessoas. “Uma menina com tantos sonhos”, “nossa como você ficou grávida tão nova”. Eu percebia o olhar negativo, das pessoas dizendo que eu tinha muita coisa para viver.

Em algum momento você achou que não iria dar conta de criar um bebê sendo ainda tão jovem?

Achei sim, no começo. Foram diversos desafios, e amamentar foi um deles, porque meus seios ficaram muito feridos. Foi um impacto bem grande de ver metade dos meus sonhos indo ‘embora’. Eu tinha passado no CAMP (Centro de Aprendizagem e Mobilização Profissional), e eu queria muito, mas tive que paralisar isso para viver a maternidade, porque literalmente eu que cuidei da minha filha mesmo, sozinha. Eu não tive ninguém para me auxiliar, e não foi nada fácil.

Qual foi a preparação para a chegada da bebê após toda a gestação?

Quando ela nasceu, a preparação foi arrumar todas as coisas e me preparar bastante para aquele momento porque seria uma experiência para mim muito grande, um choque para minha idade e buscar viver um dia de cada vez. Chegou um momento que já não tinha mais em que preparar, a gente não esperava por muitas coisas, apenas íamos vivendo cada dia.

Como foi para você ter convivido tão pouco tempo com a sua primeira filha?

No começo foi difícil a aceitação da gravidez, mas depois que ela nasceu, veio ao mundo, eu quis que ela ficasse. E no momento que eu quis que ela ficasse, ela partiu. Ela acabou sendo minha companhia no dia a dia, porque meu esposo trabalhava, então era somente nós duas juntas. Eu passei a dedicar o meu dia a ela, minha vida era total dedicação para minha filha, até porque ela tinha um problema de saúde, e eu precisava me doar por inteiro. Com isso, eu acabei perdendo uma parte de mim. Eu acabei criando muitos sonhos com a chegada dela, e quando ela faleceu, eu vi todos eles mais uma vez indo embora. Quando eu a enterrei, foi levada uma parte de mim, e isso nunca vai passar. Só quem perde, sabe exatamente a dor que é. E o meu caso foi uma fatalidade, ela tomou uma injeção de forma errada. Era um dia normal, uma gripe normal, e aí eu acabei vendo minha filha por somente uma noite e depois dali, nunca mais a vi.

O que mais te deixou intrigada em relação ao erro da enfermeira?

Eu senti muita tristeza, eu queria justiça por aquilo e entender onde que ela estava com a cabeça, se ela realmente sabia que a injeção tinha que aplicar de um jeito mais devagar na veia. Então, eu não sei se ela aplicou muito rápido, eu realmente não sei o que aconteceu naquela noite. Eu só sei que, com tudo isso, minha filha chorou e deu aquele grito pedindo socorro, mesmo que ela ainda não soubesse falar. A enfermeira não parou, continuou aplicando. Então eu vejo que isso prejudicou muito mais. Porque se no momento que ela tinha gritado, a enfermeira tivesse parado de aplicar, talvez o médico conseguiria reverter a situação. Mas, quando tudo aconteceu, já não havia mais o que fazer, somente tentar reanimar minha filha.

Você pensou em desistir de tudo, da sua família após o falecimento da criança?

Quando ela faleceu, eu me vi muito sozinha, então eu não pensei necessariamente em desistir, eu até pensei em continuar com meu esposo porque estávamos passando por esse momento difícil e eu iria me apoiar nele, e ele em mim. Então nós conversamos, para entrar num bom senso e eu aceitei continuar porque eu precisava ter um pouco daquela lembrança que a minha filha foi para mim. Eu não poderia simplesmente apagar isso, então decidi seguir em frente.

O que te fez seguir em frente e tentar enfrentar o luto de uma perda tão grande? Como trabalhou o seu interior para superar?

Deus, Ele foi o essencial para mim em todo o momento. Naquele momento, naquela dor, eu sempre vi em Deus tudo que eu precisava e eu não conseguia ver isso em mais ninguém. Nos momentos mais tristes e alegres, nos momentos que eu sentia muita falta, eu conversava com Ele e isso me trazia paz. Eu entendo que um filho que perde uma mãe, ele fica órfão; uma mulher que perde o marido, ela fica viúva, mas uma mãe que perde um filho, não existe nem nome para isso, porque é uma dor muito forte. Você pode até ter dez filhos, mas nenhum vai ser igual ao outro.

Como você enxerga tudo que aconteceu, hoje? Essa situação trouxe alguma mudança?

Muitas. Hoje eu amo mais; hoje eu digo às pessoas que estão ao meu redor que eu as amo, que eu sei que cada um precisa do outro. Eu abraço mais, beijo mais e eu não deixo de fazer nada do que tenho no presente, para amanhã. Porque eu realmente não sei se amanhã dará tempo! Então se for para eu abraçar, para eu perdoar e se for para eu amar, eu vou fazer hoje. A experiência da morte da minha filha trouxe para a minha vida que a melhor coisa do mundo é você viver o hoje e que a vida é uma dádiva. Você tem que aproveitar o máximo de tempo que está tendo.

Qual conselho você daria para futuras mães e aquelas que descobriram uma gravidez sendo tão jovem?

Eu digo a elas para serem fortes, que isso não é o fim. Os filhos crescem, e elas acabarão vendo que eles são o grande amor da vida delas. Filhos serão sempre nosso grande amor, porque você pode estar passando por qualquer coisa, mas quando você olhar para aquele semblante, aquela alegria do seu filho, você vai encontrar tantas forças para vencer. Todos os obstáculos que você encontrar na sua caminhada, mesmo sendo tão jovem, você vai se fortalecer, vai perceber que terá uma companhia para o resto da vida. Filho eu digo que é para sempre, não é algo que vai embora, e ninguém vai tirar isso de você.

Quando a minha filha morreu, ela faleceu no mesmo mês que ela completou 2 anos (julho), e desde então eu passei a ver esse mês como um luto eterno; o mês de vida dela e consequentemente o de morte também. E eu queria muito encontrar uma alegria, ser feliz nesse mês. Até que engravidei da minha terceira filha, e ela nasceu em julho. Hoje eu digo, que esse foi um novo presente; uma nova alegria, pois eu já não tinha mais prazer, e agora celebro a oportunidade de ter gerado mais um ser, que veio ao mundo para trazer um novo recomeço para mim.