“Hoje em dia é muito difícil conseguir entrevista com jogador”

por Lucas Rodrigues dos Santos

 

O jornalista Bruno Lima, de Santos, teve o seu primeiro trabalho  como contínuo no prédio do jornal A Tribuna, era um office-boy que realizava trabalhos internos. O trabalho despertou a vontade de ser jornalista esportivo e isso foi crescendo conforme foi se  familiarizando com a rotina do jornal, e decidiu cursar Jornalismo. Formou-se na Católica de Santos, em 2010, e atuou em reportagens de assuntos cotidianos, policiais e esportivos. Ao longo de sua carreira, participou de coberturas de diferentes casos policiais, que ocorreram nas cidades da Baixada Santista. Ele continua no jornal A Tribuna, mas agora como setorista do Santos Futebol Clube.

O que fez despertar seu interesse em cursar jornalismo?

A paixão pelo futebol, eu, quando mais novo, tinha o sonho de jogar futebol, até que jogava bem, mas era muito acanhado e lembro de um dia que me inscrevi numa peneira do Santos. Quando vi o tamanho da fila eu amarelei, fiquei muito mal com isso, a partir daquele dia eu já tinha uns 16 anos, e as chances de virar jogador foram diminuindo, enfim eu saí do colégio, vi que não ia ser mais jogador de futebol, não tinha perspectiva de fazer faculdade, nunca fui um bom aluno na escola, quando saí do colégio falei ‘meu, vou gastar dinheiro se eu fizer faculdade’, não sou de família rica tudo em casa foi ajustadinho, nunca passei fome, mas sempre foi ajustadinho. Eu falava ‘não vou fazer porque é um dinheiro que a minha mãe vai gastar e  não é minha praia estudar’, até por isso  entrei na faculdade um pouco mais velho que a maioria da galera, entrei com uns 22, 23 anos. Depois que eu saí do colégio eu  sempre fui muito apaixonado por futebol, assistia a muitos campeonatos internacionais, a programa de esporte ao extremo e passou pela minha cabeça fazer educação física também. Sabe eu não tenho essa pegada  de ficar praticando exercício regularmente, eu gosto e tal, mas eu não achava que aquilo ali ia ser a dinâmica não,  não era minha praia. E na época, pô, vi a maior galera também se formando em Educação Física, eu falava ‘pô pra arrumar um emprego também vai ser mal’, não que dentro da nossa área as coisas sejam simples, hoje em dia talvez Educação Fsica tenha mais oportunidade de emprego do que de jornalista, e nessa de acompanhar muito campeonato internacional eu assistia vinte e quatro horas ESPN internacional. Li de ficar na internet caçando coisa, deu um estalo na minha cabeça de ‘pô vou fazer Jornalismo para trabalhar com jornalismo esportivo e aí, na época, vi uma entrevista do PVC, Paulo Vinicius Coelho, no Jô Soares, que coincidentemente naquele período estava lançando um livro sobre jornalismo esportivo. E aí eu comprei e me interessei e começou a amadurecer isso na minha cabeça.

 

Como foi seu início de carreira? Quais dificuldades você encontrou?

Todas, o estágio foi um pouco complicado em termos de aprendizado, não absorvi muita coisa eu basicamente tinha que cozinhar o texto de alguém, era  muito pouco. Como eu tinha um histórico dentro da empresa, e estava fazendo faculdade, a Arminda Augusto, que na época era editora executiva, sabia que eu estava fazendo faculdade e tinha um carinho por mim, quando estava perto de me formar abriu uma vaga de três meses aqui e ela me perguntou se eu tinha interesse, eu estagiário sem aprender muita coisa, sem absorver muita coisa do dia a dia, eu falei que queria a vaga. Mas no começo foi difícil, uma coisa é você produzir uma matéria sua para o jornal da faculdade, outra é para A Tribuna e isso me tirava um pouco do sono e ainda mais que foi uma vaga no caderno de Geral/Cidades, eu chegava para trabalhar sem saber qual a pauta ia pegar, e assim eu era inexperiente tinha assuntos e isso me dava calafrios.

 

Como você fez para superar essas dificuldades e a se adequar a um caderno que não estava acostumado? 

Perguntando tudo aos meus entrevistados, desde as coisas mais complexas até às coisas mais simples, eu tentava chegar na redação de volta da pauta com o mínimo possível de dúvidas e também contava com ajuda da galera da redação, porque determinados assuntos eu ficava com medo de estar escrevendo algo absurdo ou errado, obviamente que aconteceu de escrever alguma coisa e no dia seguinte ligarem para redação e reclamar da matéria, e eu entrei em pânico, com medo de ser demitido. Lembro que fui falar com Arminda na época e ela deu risada e disse que esse é primeiro de muitos erros que você vai acabar cometendo, fica tranquilo, talvez também outras pessoas não tiveram a mesma sorte de pegar alguém tão compreensiva, mas cara foi basicamente isso, eu ia para entrevistas às vezes sem saber o que falar e perguntar, mas tentava ler alguma coisa sobre o assunto antes de sair para a pauta, perguntava muito para o pauteiro sobre o que ele queria exatamente e tentava fazer o básico quando não dominava o assunto.

Você está na editoria esportiva qual a diferença para editoria de cidades?

Em relação a cidades, a principal diferença é que a cada dia você chega para trabalhar e não sabe o assunto que vai ter, posso sair daqui ontem e ter feito um matéria sobre política e hoje pegar uma pauta sobre um morro que está desabando, era um ponto de interrogação, isso de certa forma era apaixonante, não tem mesmices nessa área, cada dia vai pegar uma coisa, era incomum pegar um assunto só e abordar a semana inteira. O esportivo, hoje estou na função de setorista do Santos, então sei o que fazer, é mais segmentado, preciso saber tudo sobre o Santos.

Além da redação esportiva e cidade já atuou em outras editorias, se sim fale um pouco sobre essa experiência?

De todos os lugares o que mais aprendi foi com o jornalismo policial, foi uma surpresa, nunca tinha imaginado trabalhar com isso, entrei para ficar no lugar de um repórter que estava de férias  e acabei ficando três a quatro anos fazendo jornalismo policial, ali foi uma escola, mas tomei um susto, fazer jornalismo policial, será que vou ter que ir numa troca de tiro? Coisa de maluco pensar isso e quando fui vendo que não era assim, fui me apaixonando por esse tema, adoro jornalismo policial só não estou executando hoje porque estou na área de esportes que era o que eu sempre quis. Mas eu sempre gostei da coisa factual, de competir, fazer  meu veículo dar a notícia antes do concorrente e na polícia tinha muito isso, por isso eu falo sobre a questão da escola, para eu virar um setorista ok esse período em polícia, foi a faculdade. Muita gente fala, ‘você vai de oito ao oitenta, você gosta de saúde que é a prática de esportes e de morte’. Tem gente que odeia, nem pensa nisso.

Teve alguma matéria que você fez que te impactou, mexeu com seu emocional?

Sim, redação policial é cruel demais, Lembro de uma vez,  um menino de 16 anos em São Vicente, saindo da casa da namorada indo pra sua casa no meio do caminho na linha amarela, uns viciados derrubaram ele por causa de um celular e um relógio. Essa é a pior parte, chegar ao velório, me apresentei para o pai do menino, ele me abraçou, aquilo  foi muito punk, me senti mal, era um momento da família, e isso é uma discussão em todas as redações, por que é vamos cobrir um velório? Sendo de um artista, cantor, um esportista até ok, mas quando acontece essas coisas é bastante complicado, já fui expulso de velório, a família desolada com a morte vem a imprensa como se fosse urubu na carniça. Teve outra também, não dá para dizer que foi positivo porque envolve morte, mas jornalisticamente foi uma parada muito louca, quando mataram um rapaz na saída do bar Baccara, cheguei na redação, falaram ‘esquece qualquer outra coisa e vai cuidar desse assunto’, fui na delegacia tinham umas fontes muito boas e descobri onde a menina morava, ela tinha sido pivô da morte do rapaz, fui até lá com fotógrafo e o motorista, chegamos lá, ela não estava, mas a mãe nos recebeu e falou tudo que aconteceu, a gente deu a matéria, no dia seguinte o delegado tinha marcado uma coletiva e falou a verdade e tudo aquilo que saiu na reportagem de A Tribuna. 

 

Falando agora sobre ser setorista e acompanhar o dia a dia de um time de futebol. Os clubes dificultam muito o acesso aos jogadores, técnicos, na hora de conseguir uma informação ou tentar uma entrevista?

Sim, muito difícil conseguir uma entrevista com jogador de futebol, é muito difícil, a questão para entender o trabalho do jornalista do setorista e assessor do clube é difícil, porque por exemplo nesse momento que o Santos está muito mal, brigando para não cair, não existe nenhum jogador que vai dar entrevista, é uma blindagem total e absoluta, eu tentei recentemente falar com a psicóloga do Santos e eles (clube) falaram que não, é duro, muito difícil. Eu brinco com meu editor que ele é de uma época em que a cobertura era mais simples, ele fala que ficava lá no centro de treinamento, acabava o treino cada um ia para cima de um jogador, algo que não aconteceria hoje, o clube que direciona isso quando tem coletiva.

 

Anos 90, início dos anos 2000, as entrevistas eram mais irreverentes, os jogadores não tinham receio de falar o que pensavam. Hoje em dia está muito burocrático, os jogadores dão quase sempre as mesmas respostas. Para você, Bruno, o que levou a essa mudança dos jogadores ao serem entrevistados?

Eu acompanho e dou muita risada quando vejo  essas coisas dos anos noventa e falo isso é impensável hoje. O que levou a essa mudança? Eu não sei, de alguma forma a profissionalização, antigamente nem tinha assessor, nos anos noventa era direto com o jogador. Já aconteceu de encontrar jogador na praia e conversar com ele, lembro do Jobson, era virada de ano, fui correr na praia ele estava fazendo exercícios, falei ‘E aí, Jobson, daria para trocar uma ideia?’, ele topou, mas nesse momento de crise do Santos, hoje, ele jamais falaria. Acho que hoje em dia deve estar assim, recebem orientação de não é para dar entrevistas sem antes consultar a assessoria do clube e quando eles liberam alguém para falar, hoje vamos liberar o Marinho, ele senta lá para falar e os caras ‘o se te perguntarem sobre isso, você responde isso, se te perguntarem sobre aquilo você responde aquilo’, é tudo muito direcionado e antigamente não tinha isso. A presença e o fortalecimento dos assessores de imprensa dentro do clube é o principal fator para essa mudança de comportamento dos jogadores. Recentemente eu lembro de uma entrevista polêmica, foi do Sasha, acho que em 2019, foi em uma coletiva que ele deu um dia depois de um jogo entre Santos e São Paulo, ele se desentendeu com o lateral Jorge e Jorge, deu um tapa nele e na coletiva eu perguntei para o Sasha, ‘você saiu de campo precisando ser contido pela comissão técnica por conta do comportamento do Jorge, o que passou pela sua cabeça?’ E o Sasha respondeu que a vontade era dar um soco, e porque ele fez isso há quem diga dentro do clube ele prometeu para assessoria que não ia tocar no assunto, mas ele sabia que ia ser questionado sobre isso e se ele falasse o que queria falar, eles não iam deixar o Sasha dar a entrevista, ele deu esse drible na assessoria e soltou essa. Eu sei que depois disso internamente rolou uma reunião com os assessores para saber porque o Sasha deu a entrevista. 

 

Acontece muito de pessoas envolvidas no clube ou empresários de jogadores soltarem  informações para os jornalistas que estão ali acompanhando o clube para causar certa polêmica se a notícia for publicada?

Sim, vou falar em ralação aos empresários, quando vê que o seu jogador não está jogando, ele procura sim a imprensa, ‘ó em off vou te passar isso aí, aconteceu isso, isso e aquilo’, familiares de jogadores também, vai da forma que você alimenta sua fonte, tem gente dentro da diretoria do Santos que confia em mim e sabe, tenho uma conversa, nossa conversa está desde o acordo que dia que você entrou no clube, o que a gente conversar será sempre em off e só vou publicar uma declaração sua o dia que você falar que pode colocar que você falou.

 

Como você faz sabe que o que aquelas pessoas estão falando é verdadeiro?

Não pode confiar única exclusivamente em uma pessoa, até me dei mal esses dias, uma fonte que sempre foi ponta firme comigo, que sempre fala coisas que acabam acontecendo, por exemplo, agora recentemente, nas demissões do Jorge Andrade e do Mazzuco, que faziam parte do departamento de futebol do Santos, horas antes das demissões deles, eu conversei com essa fonte minha e perguntei qual a chance da reunião de hoje ter como finalidade a demissão do Carile, do Mazzuco e do Jorge Andrade, me respondeu,’zero’, foi que essa fonte me respondeu. Horas depois acabaram acontecendo as demissões, agora eu não sei se ele mentiu para mim ou se essa decisão de mudanças, pelo que ele me falou, não tinha previsão de mandar ninguém embora e durante a reunião alguma coisa aconteceu. É essencial que você escute uma fonte e tente confirmar com outra.

 

No dia dia do clube, você consegue perceber quando o clima entre jogadores e comissão técnica não está bom?

Sim, você vê  que os caras ficam afastados quando o técnico está perdendo o comando ele não consegue interagir direito  com os jogadores e uma faísca é suficiente para estragar um clima, lembro uma vez que o Santos fez um treino aberto para torcida e a imprensa foi assistir e teve um episódio envolvendo o Luiz Felipe zagueiro e agora eu não lembro quem era o goleiro acho que era o Vladimir, ficou meio estranho negócio ali, aí os outros jogadores precisaram intervir ‘para com isso, tá todo mundo olhando’, então mas dá pra perceber sim.

 

Muitos jornalistas esportivos acabam não revelando para qual time torcem para o público, você revela? Acha que revelando pode trazer algum problema?

Eu acho seguro não revelar porque hoje em dia a gente teve recentemente um caso parecido do Gabriel,  que era o setorista do Santos, só que ele não torcia para o Santos, e vasculharam as redes sociais dele descobriram o clube que ele torcia, começaram a compartilhar isso, e xingar. Cara, acontece amanhã o Santos jogar, tô falando do Santos por ser o time que eu acompanho, jogar com time para o qual ele torce, o Santos perder e por algum motivo como torcedor apaixonado pode olhar e achar que por alguma razão esse cara está feliz e sabe que ele perdeu para time que ele torce, pronto é perigoso. Também confesso para você que a partir do momento que você começa a cobrir que bom determinado time não seja aquele seu coração você desencana muito de muita coisa, é meu trabalho.

 

Você tem alguma inspiração dentro da profissão, algum jornalista em quem você se espelha?

Já tive, me inspirei no PVC (Paulo Vinícius Coelho) por conta do livro dele que eu li, foi ele que abriu o caminho, acompanhava muito o trabalho dele, acho ele anormal, o que ele guarda de memória não é normal, acho que citaria ele como minha inspiração, mas tem muita gente boa. Eu sigo uma linha diferente do PVC eu gosto muito da coisa da apuração,ele é um  conhecedor do futebol e tal eu tenho algumas pessoas ali que eu olho e falo: esse cara é apurador, esse cara é bom, e o André o Hernan, ele é muito bom nessa questão de apuração, quando ele fala pode crer que vai acontecer e aqui em Santos tem um cara que é fora de série, o Lucas Mussetti, até o André já se inspirou nele. Mas o PVC foi uma inspiração que fez aquele livro que me abriu o caminho, mas eu segui uma linha diferente de buscar a informação em primeira mão

 

Agora me fala um pouco como é o Bruno fora da redação, o que gosta de fazer, qual estilo de música gosta de ouvir?

Cara, eu gosto de jogar videogame, tenho Playstation, só jogo FIFA, gosto de ler e assim as minhas leituras se dividem entre assuntos futebolísticos, biografias que eu adoro e livros policiais, tanto que os melhores livros que eu li na minha vida foi ‘Abusados’, do Caco Barcellos, que fala da história do Marcinho VP, a história de um traficante do morro da Santa Marta, é um dos livros mais espetaculares que eu já li, tem a biografia do Garrincha e agora estou lendo outro livro que conta a história de um outro traficante do Rio, gosto de jogar bola, apesar de não jogar faz um tempo, andar de bicicleta na praia, mússica eu gosto de samba, acho que é isso.