Entrevista: Madeleine Alves, da Signos Possíveis

Por Caterina Montone 

 

Madeleine Alves, de 35 anos, mora atualmente em São Vicente e é formada em Letras – Português/Inglês pela UNISANTOS. Seu trabalho no campo artístico começou em 2007, como parte de uma associação que promovia eventos para estimular a procura por filmes nas pessoas. Após isso, ingressou em produções independentes de cultura e audiovisual até transformar o seu blog Signos Possíveis (@signospossiveis no Instagram) em produtora, juntamente de sua mãe e também sócia.

Conheci Madeleine em uma das palestras que a faculdade ESAMC de Santos ofereceu na Semana da Comunicação em 2019, que reuniu grandes profissionais das mais diversas áreas. O que chamou minha atenção, é que o tema “Produção de Cinema” atraiu estudantes de todos os cursos, que se encantaram pelo carisma de Madeleine. Durante a palestra, pude perceber que os olhos de todos – inclusive o meu, brilhavam. Ver uma mulher contando sobre suas experiências em um mercado tão desafiador, inspirou e nos prendeu até o último minuto de palestra. Talvez essa descrição não consiga definir o quão incrível foi o primeiro contato, então ao receber a oportunidade de entrevistar uma pessoa que admiro, não pensei duas vezes se não Madeleine, que aceitou prontamente o convite.

A seguir, a entrevista realizada em 17/11/2021:

Nos conte um pouquinho sobre sua história. Como surgiu seu interesse pela arte e mais especificamente, pelo audiovisual?

Bom, basicamente desde que me entendo por gente tudo o que esteja ligado à arte me interessou: livros, filmes, artes gráficas, músicas. Todos os momentos dos quais me lembro são marcados por algo que passava na TV enquanto eu brincava, ou uma música na rádio enquanto eu fazia lição de casa, ou muitos livros quando os mais velhos me levavam à biblioteca… Então, intuitivamente o meu mundo sempre foi marcado por estímulos artísticos até que, racionalmente, aos 16 anos eu desisti de cursar astronomia e decidi fazer a faculdade de Letras, para escrever roteiros de cinema. Nesta época da adolescência, entre as franquias de Harry Potter e O Senhor dos Anéis, o cinema estava presente quando ia todos os fins de semana assistir a filmes e, assim, me apaixonei pelo audiovisual.

Muitas pessoas não sabem o que fica por trás de uma produção e dos famosos “corres” e obstáculos. Como é ser produtora de conteúdos artísticos no Brasil?

Difícil. O meio é extremamente fechado e te leva a, inicialmente, topar trabalhos apenas por experiência para que, apenas depois de um tempo, você consiga conduzir isso como uma profissão, na qual as pessoas entendam o valor do seu trabalho e da sua criação e considerem investir nisso, enxergando na sua atividade um outro tipo de prestação de serviço. Isso exige um sem-par de sacrifícios como estar longe da família nas ocasiões especiais, os seus amigos não compreenderem exatamente o porquê quase nunca você sai com eles ou, ainda, uma rotina de sono e descanso completamente desregulada…

Claro, muito desse panorama melhorou com as políticas públicas, os editais e fomentos — principalmente os que visam atender a primeiras obras e artistas iniciantes —, mas infelizmente estamos longe do ideal. E (sinto dizer) isso ocorre também por uma questão cultural: o povo brasileiro custa a entender a atividade artística como uma profissão. Some-se a isso a transformação das instituições culturais nas esferas federais, estaduais e municipais para entidades com pouca autonomia ou reduzidos recursos e o cenário fica ainda mais árido.

Porém, a beleza de ter um trabalho seu sendo apreciado pelas pessoas e mudando conceitos e opiniões nos faz querer seguir, apesar de tudo.  

E com a pandemia? O que te limitou?

Primeiramente, a pandemia causou um grande prejuízo à produtora: vários projetos que tínhamos em mente executar ou mesmo convites de trabalho dos quais faríamos parte ficaram parados ou deixaram de acontecer — o que gerou um grande prejuízo financeiro do qual ainda estamos lutando muito para sair e resolver de vez. Ao mesmo tempo, lidar com doenças muito sérias em minha família me deixou muito fragilizada emocionalmente, e foi muito difícil manter a saúde mental em dia durante este período obscuro.

Mesmo assim, é em momentos desafiadores que descobrimos forças que não suspeitávamos ter e encontramos com “anjos” no meio do caminho — continuamos de pé graças a amigos queridos que nos ajudaram pessoal e profissionalmente quando estávamos à beira do abismo e a novos clientes que, assim como nós, buscavam por uma luz para realizar os seus sonhos e projetos culturais e encontraram em nós, da Signos Possíveis, o apoio técnico-cultural para elaborar seus projetos ou mesmo nossa consultoria para executar os que já estavam aprovados mas enfrentavam as incertezas da quarentena e careciam de uma orientação especializada.

Além disso, o trabalho com a websérie “Motirõ: A Dança e A Cidade” foi um farol para tempos melhores.

De uma sincera admiradora, de onde você busca inspiração?

Antes de mais nada, MUITO OBRIGADA pelo carinho e admiração com o meu trabalho!! É incrível saber que o que faço toca a sua sensibilidade e comunica algo de bom para você!!

A maneira mais objetiva de responder a sua pergunta talvez seja dizer que busco inspiração é viver, mantendo os sentidos ligados nos estímulos do mundo, nos detalhes que estão entre as imagens e as coisas. Por exemplo, você pode ir da sua casa para o trabalho ou a faculdade pensando em mil coisas — ou observando como está o vento, a temperatura do sol, a intensidade da chuva ou como a luz ilumina a copa das árvores. É possível estar no ônibus e observar a expressão das pessoas sentadas nos assentos ou de pé no corredor: se estão sonolentas, cansadas, insatisfeitas ou animadas escutando uma música ou conversando com um colega — ou se estão dormindo. E ainda é possível ver as artes dos colegas, seus trabalhos nas mais diferentes formas culturais, os trabalhos dos mestres em arte que nos precederam e não estão mais aqui fisicamente, mas sobrevivem graças às suas obras. Percebe: qualquer coisa pode ser uma inspiração, contanto que você se disponha a estar presente no momento e apreciar o que vê, ouve, sente…

Agora, como isso se transformará em um trabalho que comunique algo para as pessoas, é outra coisa.

O seu recente projeto “Motirõ: A Dança e a Cidade” é diferente do que geralmente vemos por aí. Como surgiu o projeto? E como foi desenvolver algo tão grandioso?

O projeto surgiu da união de três amigos que trabalham com audiovisual: Tiago Cardoso, Juh Ferraz e eu. Surgiu a oportunidade de concorrer ao 1º edital cultural de São Vicente — o PROAC Municípios — e então nós tivemos uma ideia que queria ir além de algo que simplesmente fosse contemplado pelo edital, mas que pudesse chegar nas pessoas com uma mensagem positiva e levasse as nossas carreiras para um outro patamar. Nós da Signos Possíveis estamos interessados em trabalhar com formatos mais amplos e a nós 3 pareceu uma excelente ideia fazer uma websérie que mostrasse a dança de um outro modo — contando a história e as vidas de alguns dos dançarinos da cidade e, assim, falasse das coisas boas que São Vicente tem, ao mesmo tempo que propusesse a união das pessoas ao criar, como num reality show, uma coreografia que unisse estilos de dança totalmente diferentes entre si. Por isso a websérie se chama “Motirõ” — é uma palavra em tupi-guarani que quer dizer “mutirão” e propõe essa união entre as pessoas e a cidade por meio da dança.

Desde o começo, em 2019 nós tínhamos um método de trabalho que não era muito complicado e foi o que propomos no projeto, que foi aprovado. Porém, ninguém poderia prever que viria uma pandemia no meio do caminho — iríamos começar as gravações em março/2020, exatamente quando o mundo todo parou. Então, aquilo que era o nosso maior apelo — a união das pessoas para criar e dançar juntas — virou uma grande ameaça de aglomeração e contaminação por COVID-19. Dessa forma, nós precisamos ter uma grande paciência para esperar os momentos certos de gravar — e parar de gravar nos momentos certos também —, todo cuidado para adotar todos os protocolos sanitários mesmo com um projeto de baixíssimo custo (para o que pretendíamos fazer) e abrir mão de muita coisa que estava nos planos, simplificando ao máximo as nossas ações.

Aliando isso a uma estratégia multiplataforma de usar as redes sociais da Signos Possíveis como canais para que as pessoas pudessem escolher onde assistir aos episódios, estamos satisfeitos em falar que chegamos ao final desta jornada sãos, salvos e com sucesso, agradecendo à Secretaria de Cultura de São Vicente que, mesmo em 2 gestões diferentes, não deixou em nenhum momento de prestar o apoio e a compreensão que precisávamos para que tudo desse certo.

Você explora diversas culturas e busca trazê-las para o público da Signos possíveis, teve alguma em específico que te marcou?

O que me marca são sempre três coisas: a união de ideias e fazer artísticos, a forma de comunicar isso para as pessoas e a próxima “aventura” de produção. Por enquanto, o que está mais forte em mim ainda é “Motirõ” — mas sou inquieta o suficiente para dizer que o que me marca e motiva são as próximas coisas que ainda faremos.

Em sua página Signos Possíveis podemos ver curtas, literatura e até fotografias. Tem alguma coisa que você ainda sonha em fazer?

Eu sonho em um dia fazer algo que transmita beleza e sensibilidade para o maior número de pessoas, de modo que elas consigam ver a arte que exista no cotidiano e se sintam tocadas por isso a ponto de se transformarem, nem que seja um pouquinho. Nós não estamos presos a segmentos e formas artísticas — muito ao contrário, o que sonhamos e vamos realizar é fazer as pessoas sentirem amor, alegria, emoção… Enfim, em um mundo racionalmente atrás da telas e com muros de percepção, o que queremos é fazer as pessoas simplesmente se sentirem como seres humanos. E isso é uma arte que não tem nome ou forma pré-definidas.

Hoje, o que te motiva a continuar com sua trajetória na arte?

Fazer uma arte que não tem nome ou forma pré-definidas. Que reúna pessoas talentosas e faça com que todos consigamos ser remunerados por isso, tal qual qualquer outro profissional. Comunicar algo que faça as pessoas sentirem e mudarem o seu modo de ver as coisas de modo positivo e pacífico, sem deixar de ter uma atitude frente à vida e suas muitas voltas, desafios, alegrias e aprendizados.

Teve algum momento inusitado na gravação de um curta ou de um projeto que rendeu uma lição ou risadas?

Vendo esta pergunta, eu me lembro da primeira vez em que eu estive em um set de gravação — e da primeira lição que aprendi. Foi em um curta, fruto de uma oficina, que tratava sobre a ditadura. Estávamos todos bem, mas, como o tema era muito denso e pesado, lembro de sentir esse clima de sofrimento, dor e opressão em todos os momentos do nosso trabalho — por mais que estivéssemos felizes em estar naquela oportunidade.

Anos depois, durante o exame de consciência e caminho que fiz na pandemia, decidi que essa lição — a de que o clima da história que estivéssemos contando estaria, de alguma forma presente em nossas vidas pelo tempo da produção — definiria as próximas escolhas de trabalho da Signos Possíveis por temas de vibe positiva e boas mensagens. Têm grandes produtores e diretores fazendo terror e suspense por aí.

Se você pudesse dar um conselho para a Madeleine do passado, qual seria?

Eu diria para que continuasse conhecendo e experimentando de vários estímulos artísticos, mas que falasse mais “nãos” a fim de se manter mais fiel ao seu desejo inicial de contar histórias mais imaginativas e fantásticas e que conhecesse antes o prazer de receber um retorno financeiro pelo seus conhecimentos, ideias e talentos culturais — o que teria poupado uma série de dissabores durante o período pandêmico. Mas não sei se a Madeleine do passado teria ouvido: ela estava muito preocupada aprendendo com suas experiências para ouvir “a voz da maturidade” (risos).